Hoje, é quase banal afirmar que vivemos num ambiente de complexidade e turbulência, enquanto a Gestão começa a adoptar novas concepções sobre a gestão estratégica e as formas de enfrentar a mudança. O que é menos usual é ligar estas evoluções com a verdadeira revolução científica que a Teoria do Caos representa. As suas repercussões estendem-se a campos tão diferentes como a Física, a Biologia, a Economia, a Matemática ou a Gestão e ameaçam alterar drasticamente a nossa forma de ver o mundo.
A Sociedade da Informação e da Complexidade
A sociedade onde
estamos inseridos tem evoluído no sentido de uma crescente complexidade.
A informação circula com uma velocidade cada vez mais elevada e as
interacções entre os vários sistemas e subsistemas económicos e
empresariais são cada vez mais importantes e subtis. As ciências
económicas, confrontadas com o falhanço das receitas antigas, procuram
agora paradigmas inovadores que respondam à nova realidade.
Nascida no seio das ciências (ditas) exactas, a
Teoria do Caos responde de forma diferente às questões que se colocam
quanto aos inúmeros sistemas dinâmicos não-lineares que povoam o nosso
mundo. Estes sistemas caracterizam-se pela sua evolução temporal
imponderável e imprevisível. Contudo, encontraram-se também traços de
regularidade e mesmo de universalidade no seu comportamento.
Uma vez que os mercados e as organizações se
comportam como sistemas dinâmicos interrelacionais e sobrepostos, a
aplicação destes novos conceitos à Gestão parece ser bastante
promissora. Mas, antes disso, importa conhecer o que é, de facto, a
Teoria do Caos.
Uma nova visão da realidade
«Uma inteligência
que, num dado instante, conhecesse todas as variáveis do Universo,
abarcaria na mesma fórmula os movimentos de todos os corpos: nada seria
incerto para ela, o futuro, tal como o passado, estaria presente a seus
olhos». Era este o sonho determinista de Laplace. Nesse momento da
história da ciência, a confiança na sua capacidade para determinar o
futuro era absoluta e a jóia mais preciosa desta concepção da realidade
era o conjunto das leis de Newton, a base da Mecânica determinista
Clássica.
Com base nas suas leis do movimento, Newton começou
por analisar o comportamento de dois corpos, que resolveu com
facilidade, explicando, por exemplo, as órbitas da Lua em redor da
Terra. Juntar mais um corpo não deveria complicar muito mais a
resolução: mais um esforço e a solução estaria ao seu alcance. Puro
engano! Este problema era traduzido por um sistema de equações
diferenciais, resultantes das leis de Newton, que descreviam a evolução
do sistema. Há dois tipos de equações diferenciais: as lineares, que se
podem resolver explicitamente, e as não lineares, impossíveis (salvo
raras excepções) de resolver.
O matemático francês Henry Poincaré trabalhou sobre
este problema da interacção de três corpos gravíticos. As equações
diferenciais que o traduzem são não-lineares (logo, sem resolução
explícita), mas ele, num rasgo notável, analisou-as de uma nova forma:
qualitativamente. Apesar de não as poder resolver podia determinar se
resultariam num equilíbrio estacionário, numa órbita periódica ou
noutros estados inesperados.
Poincaré descobriu que existiam no problema dos três
corpos comportamentos extremamente irregulares, complexos e
não-periódicos. Aquilo a que hoje se chama comportamento 'caótico'. Isto
provocou um enorme choque ao cientista pois contrariava profundamente
tudo o que se conhecia ou previa na Mecânica Celeste. Se três corpos já
manifestavam um comportamento instável, como é que se podia garantir a
estabilidade do Sistema Solar?
Foi na sequência destes trabalhos pioneiros que
surgiu a Teoria dos Caos, um corpo de ideias científicas cujo objecto é o
estudo da evolução de sistemas dinâmicos não-lineares. Um sistema
não-linear não é determinista nem previsível, apresentando um
comportamento aperiódico e longe do equilíbrio, e ao ser dinâmico,
evolui no tempo, fazendo depender o seu estado futuro do estado actual. O
mais interessante é verificar que este tipo de comportamento é o mais
frequente em sistemas reais, tais como uma panela de água ao lume, um
sistema ecológico, a economia mundial ou a atmosfera. Esta
característica única faz com que o eco do Caos chegue a ciências tão
diferentes como a Física, a Biologia, a Economia, a Matemática ou a
Gestão.
A evolução da construção destas novas ideias
prosseguiu com o auxílio da informática. O primeiro explorador
informático do universo do Caos foi, inadvertidamente, Edward Lorenz, um
matemático dedicado à meteorologia. Lorenz programou um simulador de
clima no seu computador, um arcaico Royal McBee. O computador imprimia
séries de números que representavam a evolução da pressão, temperatura,
velocidade e direcção do vento. As equações diferenciais utilizadas por
Lorenz tinham um aspecto perfeitamente inocente, até que um acaso
revelou a sua verdadeira face.
Um dia, no Inverno de 61, Lorenz quis reexaminar uma
sequência temporal do seu simulador. Para ser mais rápido, começou a
meio, utilizando os números da série anterior como ponto de partida. As
duas séries deveriam ser exactamente iguais, mas logo após alguns meses
(simulados) divergiram e perderam qualquer semelhança. Lorenz pensou
primeiro numa avaria do computador, mas a solução era mais simples: o
computador guardava os números na sua memória com 6 casas decimais, mas
só imprimia as três primeiras para ser mais rápido. Ao introduzir os
números impressos, Lorenz cometeu um erro na ordem dos décimo-milésimos.
Foi este pequeno erro o suficiente para mudar completamente a evolução
do sistema.
Mais tarde chamou-se a este comportamento 'Efeito
Borboleta' ou Dependência Sensível das Condições Iniciais e costuma
ilustrar-se com a noção de que o esvoaçar de uma borboleta hoje em
Tóquio pode provocar uma tempestade violenta sobre Nova York em poucas
semanas. Este efeito é suficiente para demonstrar a impossibilidade da
previsão meteorológica e afastar de vez o determinismo Laplaciano: para
se fazer uma previsão perfeita dever-se-iam conhecer as variáveis
iniciais com uma precisão infinita. Para armazenar uma variável com
precisão infinita, é preciso uma memória infinita. Sendo impossível
dispor de uma tal memória, é impossível a previsão determinista.
Chama-se atractor ao comportamento para o qual um
sistema dinâmico converge, independentemente do ponto de partida. Um
pêndulo em movimento converge para uma oscilação de período constante,
uma bola a rolar sobre uma superfície com atrito converge para uma
situação de velocidade nula. Os atractores podem-se visualizar marcando
os estados sucessivos de um sistema num gráfico, que terá tantas
dimensões quantas as variáveis envolvidas. Para conhecer o comportamento
dinâmico de um sistema de três equações diferenciais com que estava a
trabalhar, Lorenz representou-o num gráfico deste tipo, obtendo a imagem
do atractor tridimensional para o qual o sistema convergia. Só que este
atractor não correspondia nem a nenhuma situação estacionária nem
periódica, o sistema nunca assumia duas vezes o mesmo valor, mas a sua
evolução desenhava nitidamente uma forma vagamente semelhante a uma
borboleta. O sistema é caótico e imprevisível, mas ao mesmo tempo
converge para um atractor determinado que se denomina, apropriadamente,
atractor estranho.
A construção deste novo conjunto de ideias continuou
com os contributos de cientistas brilhantes como Benoit Mandelbrot ou
Mitchell Feigenbaum, que descobriram coisas tão inesperadas como a
universalidade e a auto-semelhança em sistemas caóticos. A primeira
resultou dos trabalhos de Feigenbaum, que detectou inesperadamente a
mesma constante de proporcionalidade na evolução de diferentes sistemas
não-lineares. A segunda está intimamente ligada com o desenvolvimento da
geometria fractal, que representa o lado mais conhecido e belo do Caos.
Sistemas económicos caóticos
Esta curta viagem
pela evolução do Caos permite-nos sintetizar as características de um
sistema caótico: não-linearidade, auto-semelhança e dependência sensível
das condições iniciais. Parece particularmente promissora a sua
aplicação nas Ciências Económicas e Empresariais. Os sistemas económicos
são geralmente dinâmicos (evoluem no tempo, dependendo o seu estado
futuro do comportamento passado), imprevisíveis e com a grande vantagem,
face a outras ciências sociais, de se poder representar o seu estado
por números.
Mas como identificar evoluções caóticas? Em que é que
isto nos pode ajudar a compreender a realidade? David Ruelle, um dos
pioneiros do Caos, utilizou uma analogia extremamente interessante, no
seu livro 'O Acaso e Caos', entre um sistema económico e um sistema
físico dissipativo. Tal como um recipiente de água ao lume transita de
um estado estável para a turbulência da ebulição, quando se aplica mais
energia em forma de calor, também a economia tem evoluído de um estado
de crescimento linear para o seu comportamento turbulento actual,
acompanhando o aumento da sua "energia", traduzida, por exemplo, em
riqueza ou desenvolvimento tecnológico.
Apesar da forma simples como se pode traçar este
paralelo, a aplicação prática do Caos à Economia esbarra no facto de
esta evolução se processar num fundo de crescimento geral, de ser
susceptível a fortes choques externos e de não haver séries temporais
suficientemente longas. Isto não impede, porém, que o contributo
conceptual do Caos para as ciências económicas e empresariais seja
importante e que a visão da realidade e os conceitos que lhe estão
associados sejam devidamente tidos em conta e aplicados nestas ciências.
A Gestão do Caos
Não faz sentido
manter obstinadamente um rumo quando os próprios mapas do caminho já
mudaram. Contudo, algumas práticas correntes da gestão parecem propiciar
essas situações. Pelo contrário, assumir que o mundo em que estamos
inseridos é imprevisível, instável e sensível a pequenas causas obriga a
uma reavaliação destas práticas e a um desbravar de novos caminhos. É
isso que o professor Ralph Stacey tem feito com livros como 'A Fronteira
do Caos' ou 'A Gestão do Caos'.
O objectivo que o autor destes livros assume é mudar o
quadro mental através do qual os gestores de empresas enfrentam a
realidade. Propõe assim o abandono das ilusões de que o êxito esteja
associado à regularidade, de que seja possível prever o comportamento de
uma organização a longo prazo e de que se possam estabelecer relações
claras entre causas e efeitos. Para Stacey, o actual planeamento
estratégico a médio e longo prazo é apenas uma forma de reduzir a
ansiedade dos elementos da organização, podendo até os seus efeitos ser
nefastos, ao prender uma organização a uma visão estratégica
ultrapassada pela evolução da realidade, retirando-lhe a capacidade de
criar, inovar e reagir. É preciso procurar as dinâmicas do êxito longe
do equilíbrio, rejeitando um papel de mera adaptação ao ambiente ou de
condução estratégica rígida.
Entende-se por estratégia o padrão das acções que
determinam a longo prazo a forma e a posição da empresa em relação aos
seus clientes, fornecedores, concorrentes e reguladores. Este padrão vai
acabar por determinar o desempenho organizacional e, em última análise,
a sobrevivência da própria empresa. O padrão das acções estratégicas é
entendido, tradicionalmente, de uma forma intencional e previamente
definida. A inovação que o Caos introduz é passar entender a estratégia
como um conceito dinâmico, em permanente mudança, num ciclo de feedback
contínuo de acções, consequências e reacções.
Mas como é possível proceder, neste quadro
conceptual, à formulação estratégica nas empresas? Criando as condições
para a emergência de uma nova orientação estratégica e rejeitando a
rigidez do planeamento estratégico. Os gestores podem adoptar medidas
para aumentar a probabilidade de uma nova estratégia emergir,
desenvolvendo novas formas de controlo que permitam a criatividade,
projectando o uso do poder para permitir uma aprendizagem eficaz,
criando equipas auto-organizativas que explorem novas soluções,
desenvolvendo múltiplas culturas que provoquem uma dialéctica
permanente, apresentando desafios e correndo riscos para sustentar a
procura de novas soluções, aperfeiçoando as técnicas de aprendizagem
complexa de grupo para permitir a alteração e desenvolvimento de modelos
mentais e criando pousio de recursos ao aceitar o preço de poder não
ter retorno a curto prazo.
Naturalmente que estas medidas exigem uma gestão no
"fio da navalha", que implica a criação intencional de desordem limitada
e uma grande dose de confiança na auto-organização que permita a
emergência da estratégia. É importante, contudo, ter presente que isto
não implica o abandono dos mecanismos de controlo a curto prazo. Deverá
sempre existir um sistema de informação para controlo operacional, que
permita a pilotagem de curto prazo da organização.
A Gestão eficaz partirá então de novos pressupostos,
para se concentrar em agendas de questões estratégicas em permanente
mudança. Encarando o longo prazo de uma forma diferente, esta nova e
excitante perspectiva de Gestão, mais inovadora e criativa, talvez capaz
de responder à complexidade do nosso mundo.
Leituras
Para um
enquadramento da Teoria do Caos e da sua evolução, são especialmente
adequados os livros 'Caos' de James Gleick (Gradiva, Lisboa, 89) e 'Deus
Joga aos Dados?' de Ian Stewart (Gradiva, Lisboa, 91), para uma
primeira abordagem. Depois, pode querer ler a excelente obra que é 'O
Acaso e o Caos' de David Ruelle, um dos protagonistas do desenvolvimento
deste novo paradigma (Relógio D'Água, Lisboa, 94).
Sobre a aplicação do Caos às ciências económicas,
começam a surgir cada vez mais obras. Destas, parecem-me especialmente
importantes os livros de Ralph Stacey: 'A Gestão do Caos' (Dom Quixote,
Lisboa, 94) e 'A Fronteira do Caos' (Bertrand, Lisboa, 95). É ainda de
referir a obra 'The Economy as an Evolving Complex System'
(Addison-Wesley, Redwood City, 88), a compilação das comunicações de um
congresso que reuniu em Santa Fé, nos Estados Unidos, Economistas e
Físicos para estudarem aplicações do Caos à Economia.
FONTE;http://www.manuelgrilo.com/rui/artigos/viagem.html
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