O capitão Mamo Habtewold tem orgulho da participação da Etiópia na Guerra da Coreia
Esta é a história pouco
conhecida de um oficial etíope condecorado pelos Estados Unidos por sua
imensa bravura. Ela se passou há 60 anos, quando a Etiópia entrou em
guerra. Não na África, mas do outro lado do mundo, na Coreia.
Em 1951, o imperador etíope, Haile Selassie,
decidiu enviar milhares de soldados para integrar as forças da ONU que,
lideradas pelos Estados Unidos, lutavam ao lado da Coreia do Sul contra
os comunistas norte-coreanos e aliada China.
Os chamados batalhões Kagnew pertenciam ao corpo dos Guarda-Costas Imperiais - a tropa de elite da Etiópia.
O capitão Mamo Habtewold, hoje com 81 anos de idade, era na época um jovem tenente do Terceiro Batalhão Kagnew.
Em entrevista à BBC, ele disse que se lembra com
clareza do dia em que deixou a Etiópia para ir lutar no outro lado do
mundo. O próprio imperador veio se despedir das tropas.
"Quando um batalhão partia para a Coreia, ele
sempre vinha pessoalmente, fazia um discurso e dava a cada batalhão uma
bandeira", contou. "Ele determinou que trouxéssemos a bandeira de
volta".
Três mil anos de independência
Quando a Etiópia foi invadida pela Itália, em
1935, Haile Selassie havia condenado a Liga das Nações por sua não
intervenção no conflito. Anos mais tarde, como aliado fiel dos Estados
Unidos, o imperador quis dar um exemplo.
"Nosso rei, Haile Selassie, era um grande
defensor do princípio da segurança coletiva. E quando a ONU pediu a ele
(que enviasse) tropas para a Coreia, ele aceitou sem questionar",
explicou Mamo.
O próprio Mamo estava 'louco para ir', especialmente após o retorno, em 1953, do primeiro batalhão etíope enviado à Coreia.
"Todos voltaram da Coreia se gabando, então, todo mundo queria lutar".
Os etíopes lutaram como parte da 7ª Divisão dos
Estados Unidos. O Exército americano havia, muito recentemente,
eliminado a segregação racial entre as tropas.
Mas, para Mamo, segregação racial não era um
problema: "A Etiópia tem uma história de três mil anos como país
independente. Nós etíopes éramos orgulhosos e nos gabávamos de ser
etíopes. Não nos importávamos com essa questão de cor. Os americanos não
nos chamavam de
negros porque ficaríamos com raiva". (O uso do termo
negro, tradução literal de
nigger, em referência à raça negra é considerado ofensivo em países de língua inglesa.)
E Mamo tem orgulho da participação da Etiópia na Guerra da Coreia.
"Éramos os melhores combatentes. Os três
batalhões etíopes lutaram em 253 batalhas e nenhum soldado etíope foi
feito prisioneiro na Guerra da Coreia", contou.
"Esse era o mote etíope: Nunca seja capturado no campo de batalha".
O mote dos soldados africanos seria colocado a duras provas.
Cercados pelo Inimigo
Em 1953, enquanto as negociações de paz se
arrastavam, ambas as facções tentavam fortalecer sua posição nas
negociações ao brigar pelo controle de uma área árida e montanhosa
situada logo após um dos trechos ocupados pela ONU.
A 7ª Divisão americana, que incluía o batalhão
Kagnew, foi encarregada de defender uma dessas montanhas, apelidada de
Pork Chop Hill.
Uma noite, em maio de 1953, Mamo liderava uma
pequena patrulha que desceu do topo da montanha para inspecionar as
terras abaixo. Ele não suspeitava de que sua patrulha estava prestes a
ser alvo de uma grande ofensiva chinesa.
"Éramos 14 etíopes e um americano na nossa
patrulha. Mais tarde, foi escrito que lutamos contra 300 soldados
chineses - um homem contra 20".
Quatro integrantes da patrulha foram mortos, incluindo o americano. Todos os outros foram feridos.
O Exército de Selassie na Guerra da Coreia
A Etiópia enviou três batalhões com 1.200 homens cada um
Os soldados pertenciam ao corpo dos Guarda-Costas Imperiais
O primeiro batalhão Kagnew chegou à Coreia em maio de 1951
Ele foi incorporado à 7ª Divisão de Infantaria
Os etíopes participaram de uma série de missões, inclusive a Batalha de Pork Chop Hill
Perdas: 121 mortos, 536 feridos
"Eles tentaram levar meu operador de rádio como
prisioneiro, mas eu matei o soldado chinês e salvei aquele homem. Uma
hora, vieram acabar conosco quando estávamos todos feridos, eu tinha uma
granada e os matei. Foi muito duro".
A luta continuou, com interrupções, durante toda
a noite. Isolado, com seus homens feridos, Mamo sabia que não
conseguiriam aguentar por muito mais tempo.
"Fui ferido várias vezes, estava cansado,
exausto, e perdi a consciência duas vezes. A coisa mais importante era
encontrar um rádio para contactar a artilharia americana. Mas meus três
rádios tinham sido destruídos."
"Eu dei minha pistola a um soldado para que ele
me desse cobertura enquanto eu procurava por um rádio. Desmaiei de novo e
tive medo de ser capturado. Queria me matar. Mas quando ordenei ao
soldado que devolvesse minha pistola, ele se recusou."
"Não dê (a pistola) a ele", os outros soldados disseram.
Então, Mamo decidiu continuar a lutar.
"Procurei por uma arma de um dos homens mortos
e, quando os chineses atacavam, eu atirava. Quando as coisas se
aquietavam, eu procurava um rádio", contou.
Ele acabou encontrando um rádio. Chamou a
artilharia americana, que pôs fim à ofensiva chinesa. Reforços foram
enviados e, sob uma cobertura de fumaça, seus homens feridos foram
resgatados.
De volta à base, Mamo era o único da patrulha ainda em pé.
"Todos foram para o hospital. Eu fui o único a
retornar para o alojamento. É como um homem que está vivendo com sua
família e, de repente, a família inteira está morta e ele retorna para
uma casa vazia - foi assim que me senti. Senti tanto por eles, fiquei
muito deprimido".
Guerra na Coreia
Forças da Coreia do Norte invadem o sul - 25 de junho de 1950
Resolução da ONU condena a invasão - 26 de junho de 1950
A Etiópia é um entre 15 países a enviar tropas
Um armistício põe fim aos embates - 27 de julho de 1953
Por seus atos, Mamo recebeu a mais elevada
honraria militar existente na Etiópia. E os americanos lhe deram uma
Estrela de Prata por sua bravura em combate.
Mais de três mil etíopes lutaram na Guerra da
Coreia, mais de 120 foram mortos, mais de 500 foram feridos. Os
sobreviventes retornaram a Addis Abeba, capital do país, como heróis.
"Foi realmente um grande dia. Especialmente,
quando voltamos da Coreia, trouxemos nossos soldados mortos. Addis Abeba
estava lotada de gente. Metade chorava, metade celebrava", Mamo contou.
Depois da guerra, Mamo foi promovido a capitão.
Ele foi forçado a deixar o Exército em 1960, no período que sucedeu uma
tentativa de golpe por membros do corpo dos Guarda-Costas Imperiais.
Ele acabou fazendo carreira como homem de negócios e administrador.
Neste ano, o governo da Coreia do Sul anunciou
que daria aposentadoria aos veteranos etíopes sobreviventes da Guerra na
Coreia. Mamo ainda espera retornar à Coreia do Sul uma última vez e
visitar o lugar onde se tornou um herói de guerra etíope.fonte;bbc brasil