fonte;Coluna do Jorge Ramos
As palavras importam. Cada uma expressa o que você pensa e de onde vem; fala de seus preconceitos, medos e ambições. Por isso, chamar os imigrantes de "ilegais" é um erro, uma ofensa e, no melhor dos casos, um apoio tácito aos grupos mais extremistas e xenófobos dos EUA.
Para a comunidade hispânica, o uso da palavra "ilegal" divide os que estão conosco e os que nos atacam. É uma palavra simbólica. Quem a usa para definir os 11 milhões de pessoas sem documentos não nos conhece bem. Não sabe que o tema migratório é algo pessoal para nós; a metade de todos os hispânicos adultos nasceu fora dos EUA.
A maioria dos latinos considera a palavra "ilegal" um insulto, uma afronta. Preferimos "sem documento": é uma expressão mais precisa e não sugere, como "ilegal", que se trata de um criminoso.
É verdade que os sem-documentos violaram a lei. Fizeram-no ao entrar sem documentos pela fronteira ou ficar nos EUA além do estipulado por seus vistos. Mas não são criminosos por isso. Burlaram, sim, uma lei, mas também o fazem os americanos que se beneficiam de seu trabalho e aqueles que os contratam.
Se chamamos de "ilegais" os sem-documentos, por que não chamamos de "cidadãos ilegais" ou "empresas ilegais" os que os utilizam e empregam? Os sem-documentos estão aqui porque lhes damos trabalho. Senão não viriam.
Apesar do anterior, ainda há muitos políticos e meios de comunicação em inglês que usam o termo "ilegais" para identificar os sem-documentos. No entanto, isso está mudando. Cada vez há menos jornais e televisões que o usam. E desde o ano 2000 todos os candidatos à presidência dos dois partidos evitaram ao máximo referir-se ao sem-documentos como "ilegais". (Nada como usar a palavra "ilegal" para assustar o voto latino.)
Esse é um assunto que vai além das políticas anti-imigração tão na moda nos EUA. O prêmio Nobel Elie Wiesel, que sobreviveu aos horrores do Holocausto em sua juventude, disse que "nenhum ser humano é ilegal". De fato, a história nos ensinou que a primeira coisa que fazem aqueles que difamam e subestimam é identificar sua vítima como algo inferior. Chamar alguém de "ilegal" tem como propósito marcar a diferença entre eles e nós.
Mas isso vai contra o espírito do que é ser americano. A Declaração de Independência dos EUA, assinada em 1776, estabelece que "todos os homens (e mulheres) são criados iguais". Mas a realidade é que no país mais poderoso do mundo há milhões que não são tratados como iguais. Por isso a imigração é a nova fronteira dos direitos civis deste país.
A retórica anti-imigrante dominou o discurso em torno da reforma desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando tudo mudou. A reforma migratória que era apoiada pelos presidentes George W. Bush e o mexicano Vicente Fox passou ao segundo plano. Tudo o que parecesse estrangeiro começou a ser visto com suspeita, e a possibilidade de legalizar milhões de sem-documentos perdeu o sentido de urgência. O principal era salvar o país diante de uma ameaça externa. Quando o tema foi retomado, antes que Bush entregasse a presidência, já era tarde demais e havia perdido o apoio majoritário no Congresso. As palavras dos inimigos dos imigrantes se impuseram sobre as de seus aliados.
No fim das contas, os EUA - estou convencido - farão o correto e legalizarão um milhão de sem-documentos que tanto contribuem para a economia, a cultura e o bem-estar do país. Assim como os EUA foram maravilhosamente generosos comigo, espero que o sejam com todos aqueles que chegaram depois de mim ou sem papéis.
Mas para que isso ocorra é preciso ganhar antes a guerra de palavras. Para mudar as coisas, o primeiro que se deve fazer é nomeá-las de uma maneira diferente. Em todo este século ganharam o debate os que converteram uma reforma migratória com caminho para a cidadania em "anistia" e os sem-documentos em "ilegais".
Cabe-nos agora mudar a linguagem para depois mudar a realidade. E o primeiro passo é não utilizar mais a palavra "ilegais" para identificar os sem-documentos. Ninguém é ilegal.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves