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BRASIL Serviço de Inteligência e Democracia: Entrevista Romeu Tuma Junior EM 2014



A palavra “Qingbao” 慶寶 significa, em chinês, tanto “serviço de inteligência” como “informação”. O termo “Qing” significa, na origem, “luz vital” e “coração, podendo traduzir-se por “realidade dos fatos”, “estados das coisas”, “situação” em perspectiva. Já o segundo termo, “Bao” provém de um pictograma ancestral, simplificando, “pessoa com as mãos imobilizadas”. Assim, Roger Faligot começa sua fantástica obra sobre “O Serviço Secreto Chinês”, apresentando as formas de uma das práticas mais antigas no mundo. Teoricamente, a segunda profissão mais antiga.


14/01/2014

As atividades de inteligência são instrumentos “meio” que têm como objetivos orientar, alertar, organizar, processar, construir inteligência para que os tomadores de decisão e Chefes de Estado possam constituir estratégias com o menor risco possível, além de constituírem um arcabouço para a segurança de suas estruturas e das próprias Nações.

Mas infelizmente no Brasil, os serviços de inteligência são tratados de outra forma. Parece que no país a inteligência é o “Bao” chinês. O grande ponto do serviço de inteligência de Estado ser e estar alinhado com a Democracia, está na forma de atuação do mesmo no exterior. E para o governo, serviço de inteligência trabalha mais no campo interno do que no externo. Hoje seu maior representante, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) está mais condicionada a produzir inteligência de Estado com foco interno, do que efetivamente operações de inteligência no exterior, e isso condiciona a um erro tremendo na atuação do serviço de inteligência brasileiro, e nas próprias conduções em políticas externas, defesa e segurança. Até mesmo a participação de comércio internacional do Brasil sofre conseqüências pela falta de inteligência econômica.




Existe uma razão clara para o uso da inteligência, e dos serviços de inteligência. Conforme Marco Cepik em seu tratado, “Espionagem e Democracia”, “embora possa ser decisiva em certos momentos especiais na guerra e na paz, em geral os governos contam com a inteligência para reduzir a incerteza nas decisões sobre política externa, defesa nacional e ordem pública, para aumentar a segurança nacional e para posicionarem-se melhor no sistema internacional”. E se analisarmos os principais contextos colocados por Cepik, o Brasil não vai nada bem, e olha que não necessariamente por uma fraqueza estrutural, mas sim informacional.

Com o caso de traição do espião americano, Edward Snowden, as políticas de inteligência de todos os países do mundo, de alguma forma, sofrerão alterações, mas efetivamente, o caso trouxe uma reflexão maior sobre as questões de uso do aparato de inteligência de Estado, principalmente nos contextos de defesa, segurança e economia. Se analisarmos o histórico publicado sobre a cooperação de agências de inteligência, percebemos que tudo o que Snowden afirmou já era de grande conhecimento da comunidade de inteligência internacional. Mas é claro, pelo que parece, menos para o governo brasileiro. E nesse ponto isento a ABIN.

Só para listar algumas publicações que já discorriam dos procedimentos, cooperações e políticas de inteligência além Estados Unidos:

- Confronting the “Enemy Within” – security intelligence, the Police, and couterterrorism in four democracies – Peter Chalk & William Rosenau – Rand Corporation (2004)

- Intelligence Power in peace and war – Michael Herman – Cambridge University (1996)

- Intelligence and the national security strategist – Roger George & Robert Kline – Rowman & Littlefield Publishers (2006)

- Strategic Intelligence – Loch Johnson & James Wirtz – Roxbury Publishing (2004)

- Information operations – Leigh Armistead – Brassey’s Inc. (2004)

- O Fim do Poder – Moises Naim – Leya – (2013)

E para completar, praticamente todas as publicações da Revista Brasileira de Inteligência da ABIN trazem “munição” e inteligência suficiente para qualquer decisor entender o contexto, e principalmente, a necessidade de aparatos de inteligência de Estado com enfoque internacional.

Uma vez participei de um encontro da ABIN, em 2002 como palestrante referente ao Programa Nacional de Proteção do Conhecimento, e na ocasião percebemos o quanto o Brasil sofria impactos e operações de inteligência de outros países. E o mais interessante, a maioria países aliados (amigos). Mas nem por isso, o cenário causava “melindres” na comunidade de inteligência brasileira, esta era a regra do jogo, ou melhor até hoje esta é a regra do jogo.

Mas infelizmente o modelo atual precisa ser repensado. A PNI deve ser implantada emergencialmente, a atividade da ABIN deve ser voltada para o exterior. E os anseios e atividades de inteligência de Estado deve ser restringido ao seu operador, a própria agência, e não através de aparatos policiais, ou até mesmo vinculado aos diversos gabinetes dos ministérios.

O Blog EXAME Brasil no Mundo conversou com o ex-Secretário Nacional de Justiça Romeu Tuma Junior. Sua experiência como Delegado de Polícia, como Secretário Nacional de Justiça, e também como representante da Interpol no Brasil, lhe deram “munição” e inteligência para discutir profundamente a visão e atuação do serviços de inteligência no país e no mundo. Romeu Tuma Junior também participou da comissão para o desenvolvimento do Plano Nacional de Inteligência, que ainda vive em alguma “gaveta profunda” no Palácio do Planalto.

Romeu Tuma Junior – Fonte: Veja

Romeu Tuma Junior e o jornalista Claudio Tognolli, lançaram em dezembro de 2013 o livro “Assassinato de Reputações – um crime de Estado” pela editora Topbooks. O livro é um sucesso editorial, e o mesmo está há semanas nas primeiras posições de livros mais vendidos do país, inclusive no próprio ranking de publicações digitais da Amazon. O livro além de apresentar detalhes do período da ditadura e das conexões do informante “Barba”, conhecido como ex-presidente Lula, também apresenta uma série de questões sobre inteligência, atuação dos serviços de inteligência, e a própria necessidade de revisão das operações e organismos de inteligência no Brasil, e suas conexões com o mundo.

Brasil no Mundo: Em seu livro, “Assassinato de Reputações – um crime de Estado”, o senhor apresenta diversas questões sobre a área de inteligência e suas aplicações no Brasil. Como o senhor analisa o atual ambiente das atividades de inteligência e da própria ABIN?

Romeu Tuma Junior: Hoje há muitos órgãos fazendo Inteligência no Brasil. Muitos não fazem adequadamente, pois confundem inteligência com resumo de notícias, clippings ou mesmo “bisbilhotagem”. Infelizmente, nós não temos a cultura da inteligência mas sim a da espionagem, e da fofoca. Uma é da proteção, da construção de barreiras, barricadas, ao passo que a outra é da destruição, da desmoralização, dos dossiês, do assassinato de reputações.

Não se pode esquecer de que pertence à ABIN a realização da Inteligência de Estado. Mas, para isso, a mesma precisa ter prerrogativas, tal como a possibilidade de fazer interceptações telefônicas em casos de interesses nacionais. Defendi isto no Grupo de Trabalho (GT) que reavaliou o SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência) e que criou a PNI, mas fui voto vencido pela pressão e oposição da Polícia Federal (PF), que por sinal, sonha assumir essa atribuição de fazer a Inteligência de Estado (modelo sem precedentes no Mundo), o que é uma ameaça, pois ela é a polícia Judiciária da União, e dai sairia uma mistura que poderia gerar um festival de abusos. Na nossa proposta, o controle seria feito pelo STJ. É preciso fortalecer a atividade, controlando-a. Nenhum Estado vive sem um Serviço de Inteligência, que deve pautar-se pelo interesse público. Temos visto distorções em serviços de Inteligência, principalmente na policial, que passa a servir a interesses de alguns, para produção de dossiês, análises maldosas e criminosas de contextos contra desafetos etc. Isto só produz o descrédito da atividade.

Brasil no Mundo: O caso de delação do espião americano, Edward Snowden, na verdade escancarou as fraquezas e problemas na área de inteligência no Brasil, principalmente na Contra-Espionagem. Mas analisando os fatos apresentados em seu livro, podemos perceber que existe uma NSA doméstica no Brasil?

Romeu Tuma Junior: Sem dúvida. O próprio Ministro Gilmar Mendes, do STF, disse que vivemos um Estado Policial. Temos visto o uso político, baixo, espúrio, dos mecanismos de Inteligência Policial, principalmente, para bisbilhotar a vida alheia e assassinar reputações. É muito mais fácil uma condenação na mídia do que na justiça, pois não há necessidade de prova alguma, além do efeito devastador. Tem a dimensão de uma prisão perpétua ou de uma pena de morte “moral”. Não precisa ser vidente para prever que, neste ano eleitoral, choverão dossiês forjados com base em relatórios de Inteligência, “arapongagem” etc. O grande problema é que nossos mecanismos de freios e contrapesos, não conseguiram ainda fazer com que as Instituições sejam de Estado e não instrumento de Partidos e Governos. É preciso que o Poder Judiciário seja mais rigoroso, mais criterioso e na verdade, passe a ler os inquéritos antes de autorizar certas medidas. Percebe-se claramente que ninguém lê nada! Essas medidas invasivas mais do que banalizadas, estão prostituídas. Elas servem como meio de prova e não como provas.

Brasil no Mundo: A sua experiência na Interpol lhe deu muitas condições e experiências sobre a visão do mundo em relação às questões de segurança, defesa e inteligência. Na sua opinião, como o mundo vê o Brasil hoje nestas questões?


Romeu Tuma Junior: O mundo nos vê de diferentes maneiras. Ora nos aplaude, ora zomba da nossa imaturidade. Quando tratamos de cooperação internacional para o combate à lavagem de dinheiro, e apresentamos no Crime Congress da ONU, nossas ferramentas para atacar a estrutura financeira das organizações criminosas, fomos aplaudidos. Quando demos guarida ao Battisti….enfim, não temos uma política de Estado. Vivemos das idéias e dos projetos prioritários de quem está no comando naquele momento. As coisas não tem continuidade. A pauta é política e isso é demolidor no aspecto inteligência e segurança pública. Enquanto esse debate não sair da agenda eleitoral, não avançaremos e pior, vamos continuar inventando máquinas de enxugar gelo.

Brasil no Mundo: A violência no Brasil cresce de forma exponencial. Quais os grandes desafios para as estruturas de segurança pública, Forças Armadas e de inteligência do Brasil?


Romeu Tuma Junior: Os desafios dizem respeito à produção de conhecimentos e a tomada de decisões certas. O que acontece é que, em geral, os tomadores de decisão são mal assessorados neste campo, devido à falta de profissionalismo (comissionamentos de apadrinhados políticos, teóricos, etc.). É preciso que exerçam funções de Inteligência os profissionais da área, concursados, com formação técnica. Caso contrário, viveremos de amadorismos e improvisações. E o pior, com muitos ex-analistas e agentes de Inteligência cooptados por organizações criminosas, pois não tendo estímulo para continuarem em suas carreiras, são presas fáceis do dinheiro sujo. É necessário ainda um maciço investimento em tecnologia.

Veja a questão da segurança pública por exemplo. As cadeias são as maiores fontes de informações para esclarecimentos de crimes. Além de não se explorar isso, tornamos elas as maiores fortalezas para se cometer crimes.

Um delegado de plantão não conversa com o que lhe rende sobre os fatos que registrou durante sua jornada de trabalho! O pior é que ainda quem tem a informação não passa, não divulga, os canais da difusão estão completamente burocratizados e desacostumados porquê nosso modelo é errado. Atividade de inteligência é atividade meio, e não fim! Deve ser órgão de apoio e não de execução!

Brasil no Mundo: Além dos Estados Unidos, outros países atuam fortemente no Brasil através de seus serviços secretos. Qual a sua opinião sobre a atuação dos serviços de inteligência?

Romeu Tuma Junior: São imprescindíveis e vitais à existência dos Estados. A pedra de toque é a questão do controle para se evitarem abusos. Com relação a atuação fora dos limites de suas fronteiras, todo mundo faz isso. E no Brasil não é diferente. Os países tem muitos interesses aqui. Político, na Amazônia pela riqueza natural e pela posição estratégica, pela nossa liderança no Continente, pela nossa Indústria, enfim, o próprio caso Chico Mendes teve uma forte atuação da inteligência americana com interesse comercial, que jamais foi explorada. O importante é você ter sua contra-inteligência com maior capacidade do que a inteligência dos “visitantes”. Não acho que o Brasil faça bem nem uma coisa nem outra. Nem interna nem externamente. A presidente da República usa outlook…. E não é culpa dos nossos profissionais da área, mas da falta de vontade política do governo, que prefere o limbo para atuar contra “alvos” políticos.

Brasil no Mundo: O governo federal mantém na gaveta há alguns anos o Plano Nacional de Inteligência. Por quê o Brasil parece ter tanto medo de um serviço de inteligência?

Romeu Tuma Junior: O problema é que o Governo não sabe lidar com o Serviço de Inteligência. A Política Nacional de Inteligência, que eu ajudei a elaborar, é guiada por eixos temáticos ligados à ameaças ao Estado brasileiro. Foi uma luta convencer o governo que o Crime Organizado e a Corrupção são ameaças a um Estado Democrático, você não faz idéia! Este ano tem Copa do Mundo no Brasil e até agora não se aprovou a PNI, que deve estar dormindo no gabinete presidencial. É brincar com coisa séria. Quanto mais bagunçado, menos regra, melhor para quem prioriza a espionagem em detrimento da inteligência de Estado. Para desvio de finalidade, alguns “tomadores de decisões” adoram conspurcar serviços de Inteligência. Para assuntos institucionais, o sistema não anda. Com a palavra a Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional!

O Brasil nesse governo, não faz inteligência externa ou espionagem defensiva. Para eles, os inimigos do País estão aqui dentro e não lá fora. São os Brasileiros e não os governos estrangeiros. Eles confundem adversários políticos com inimigos do Estado. É uma visão propositadamente caolha e inconcebível, enquanto por exemplo a Amazônia está sendo delapidada por estrangeiros estrategistas travestidos de religiosos, pesquisadores, educadores, etc., estamos violando sigilo bancário de caseiros, denunciantes e alvos políticos.

Não somos um país sério nesse seguimento. É isso que se diz na comunidade internacional de inteligência. Ninguém teme o Brasil.

Não se pode confundir inteligência policial com espionagem

5 de outubro de 2012, 13h00
Por Romeu Tuma Jr.

Um desfecho comum nos julgamentos de grandes casos que mobilizam o país (ou, pelo menos, a imprensa nacional) tem sido o trancamento das ações. Invariavelmente por causa da qualidade (ou falta dela) das provas colhidas ou irregularidades praticadas no curso da investigação.

O próprio processo do mensalão gira todo em torno desse candente problema. Independentemente do caso ou das partes envolvidas, ninguém duvida da necessidade aflita do aperfeiçoamento da atividade investigatória e, em especial, dos trabalhos periciais. Não só no aparato tecnológico e na capacitação para seu uso, mas também na qualificação da mão de obra. Menos para agentes de campo, mais na profissionalização do analista. Afinal, a atividade de Inteligência não pode ser confundida com atividade de espionagem, bisbilhotagem e fofocagem.

Atividade de inteligência é pautada pela necessidade coletiva de se obter conhecimento à defesa e proteção institucional e pessoal de organismos, entidades, estados, instituições e de pessoas individual ou coletivamente. Já a outra é pautada pelo interesse e vontade pessoal, particular, individual ou coletiva e política de agente ou equipe de agentes ou ainda grupos políticos de governos, estados ou não.

A primeira pressupõe legalidade e legitimidade, enquanto a segunda pressupõe clandestinidade e irregularidade para dizer o mínimo.

Ao se produzir um relatório, o chamado Relint, em se tratando de atividade de inteligência há o compromisso com todo um regramento legal e constitucional, a necessidade de classificação, a obrigatoriedade da correta difusão e, desclassificação em caso de uso fora do SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência), sob pena de nulidade e responsabilidade.

Em contrapartida, no outro tipo, não há compromisso, mas sim comprometimento, e este derivado da vontade pessoal ou política do agente ou de seus eventuais superiores ou "mandatários" ou ainda "clientes contratantes", onde a matéria-prima não necessariamente consiste em bases de dados reais ou fontes fidedignas distorcidas, mas, especial e principalmente, na elucubração, indução, mera suposição e dedução delas advindas.

Isso posto, temos o dever de incentivar e aplaudir a Inteligência policial, importante ferramenta para a segurança pública e para a defesa da sociedade, mas na mesma intensidade apurar e refrear a bisbilhotagem feita a serviço de terceiros, empoderados ou não, em nome e com as ferramentas do Estado.

Não se pode acobertar sob o mesmo manto as duas espécies, qual sejam, a inteligência policial e a espionagem policial ou de governo. A primeira deve obedecer regras, a segunda por não tê-las é, por si só, um crime de Estado, principalmente quando este lhe dá a indevida cobertura, estrutura e guarida em situações inusitadas como nunca antes vistas nesse país!

Na vigência de um Estado Democrático de Direito, quem deveria fazer a diferença não são as Cortes Superiores, pois aí já é tarde, mas o juízo de primeira instância, exatamente aquela anterior ao tribunal midiático do "Google", onde os senhores magistrados devem ser fiscais da lei e não sócios das investigações, e por isso compreender que o crucifixo habita os fóruns não para pregar a religião de Jesus, mas para lembrar que no caminho daquele homem pendurado teve um covarde prevaricador chamado Pilatus!

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