12/05/2018
Crusoé obteve as planilhas do IDP que relacionam 23 empresas e entidades que patrocinaram o instituto e descobriu situações distintas. Uma delas, a mais comum, envolve companhias que patrocinaram os eventos e, em contrapartida, ganharam a exposição de suas marcas. É a regra geral de qualquer patrocínio, em qualquer evento, de qualquer instituição. Mas há, nas planilhas do IDP, patrocinadores que deram dinheiro sem que houvesse a publicidade da marca – são, portanto, patrocínios ocultos. Outra frente de arrecadação do instituto foram os grupos de estudos jurídicos. Também nesse caso surge o insólito fenômeno das empresas que patrocinaram, mas preferiram não aparecer.
A Souza Cruz, gigante do ramo de cigarros, surge nos documentos internos como o principal patrocinador oculto do IDP. Desde 2011, a companhia repassou 2,4 milhões de reais ao instituto. Mas não há, nem no site do IDP nem nos materiais de divulgação, qualquer referência à empresa. A Crusoé, ex-funcionários do instituto de Gilmar Mendes armaram, sob a condição de terem sua identidade preservada, que havia um acerto entre as partes para que os patrocínios da Souza Cruz permanecessem incógnitos. Procurada, a empresa confirma que em momento nenhum buscou “visibilidade” ao fazer os repasses ao IDP. Diz que patrocinou dois projetos, mas que não tinha interesse em aparecer: “A empresa não buscou, nos patrocínios a esses dois projetos, visibilidade de marca. A prioridade não era essa. Ali, até pela extensão e complexidade dos temas, o objetivo era gerar conteúdo premium, pensamento crítico, estudos avançados”.
A companhia informou ter com o IDP, há anos, um contrato para o “patrocínio de atividades acadêmicas”. O contrato é coberto por uma cláusula de confidencialidade.
O Bradesco e o grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, também estão no rol dos patrocinadores do IDP que não fazem questão de publicidade. Embora em outros anos as duas empresas tenham exibido suas logomarcas em eventos do instituto, os repasses feitos em 2016 ficaram restritos aos balancetes internos do IDP. O Bradesco e a holding da JBS figuram, nesses documentos, entre as empresas que contribuíram para a 19ª edição do Congresso Internacional de Direito Constitucional, realizada em Brasília. O banco deu 200 mil reais e a J&F, 500 mil. Os créditos foram anotados nos documentos internos do instituto como patrocínios ao congresso, mas os dois grupos não figuraram, em nenhum momento, entre os patrocinadores oficiais.
Procurados por Crusoé, Bradesco e J&F não quiseram se manifestar sobre os repasses. Situação similar envolve um seminário realizado no IDP no Rio de Janeiro, em junho de 2016. A Triunfo Logística, empresa fluminense de engenharia com atuação no setor de óleo e gás, repassou 100 mil reais para o evento. Mas também abriu mão de aparecer como patrocinadora. Além de Gilmar, anfitrião do seminário, o IDP levou, como palestrantes, os ministros Bruno Dantas e Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU). O valor pago pela Triunfo foi creditado na conta do IDP. O Google é outra empresa que adotou comportamento semelhante. Repassou 200 mil reais, em maio de 2016, para viabilizar a criação de um centro de estudos no IDP. À Crusoé, o gigante da internet afirmou que costuma incentivar a produção de conteúdo técnico e admitiu que, no acerto com o instituto de Gilmar, não havia qualquer obrigação de exposição da marca. O Google deu como exemplo quatro grupos similares que também receberam apoio da empresa. Todos estamparam a sua marca. O projeto do IDP foi o único em que o nome do Google não apareceu.
Para além de conglomerados como Souza Cruz, J&F, Google e Bradesco, as planilhas que listam as receitas obtidas pelo instituto de Gilmar Mendes a título de patrocínio contam com outros portentos da economia nacional, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e organizações setoriais, como a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Reprodução: Crusoé
Há, ainda, organizações que, nos últimos tempos, apareceram enroladas em investigações rumorosas, algumas derivadas da Operação Lava Jato. É o caso da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), que sofreu uma devassa da Polícia Federal e do Ministério Público, após a descoberta de que despejou propina em contas ligadas ao ex-governador fluminense Sérgio Cabral. A federação deu 50 mil reais ao IDP.
Os patrocinadores do instituto de Gilmar Mendes têm em comum o fato de serem partes interessadas em grandes causas em tramitação no Supremo Tribunal Federal. É evidente que não há, necessariamente, relação de causa e efeito entre os patrocínios e as decisões de Gilmar, mas a lista dos parceiros mostra como a condição de ministro-empresário dá azo a situações no mínimo embaraçosas: algumas das empresas são parte em pelo menos 300 processos que passaram pelo gabinete de Gilmar desde 2016. Uma delas é a justamente a Souza Cruz.
No tribunal, tramitam processos relevantes para a indústria tabagista. Um deles foi movido pela Confederação Nacional da Indústria (também patrocinadora do IDP), que queria garantir às fábricas o direito de produzir cigarros com sabor, proibidos pela Agência de Vigilância Sanitária. A tentativa fracassou em razão de um empate no julgamento, finalizado em fevereiro passado. Gilmar Mendes votou a favor da demanda da indústria.
A Interfarma, entidade que representa grandes fabricantes de medicamentos, também contribuiu com o IDP (657 mil reais) e é outra que tem interesse em processos em curso no Supremo. Uma das ações que a entidade acompanha de perto na corte versa sobre a liberação de remédios à base de maconha. Outra está relacionada à distribuição de medicamentos de alto custo pelo poder público, sem a necessidade de autorização pelos órgãos de controle. A Interfarma afirma que, além do IDP, apoia outras instituições semelhantes e que os repasses ao instituto tiveram por objetivo a produção de conteúdo. Em situação semelhante estão as instituições financeiras, representadas pela Febraban, que têm inúmeros processos no Supremo. Uma dessas ações teve desfecho recentemente. Envolvia o pagamento das diferenças monetárias da poupança a clientes dos bancos prejudicadas pelos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990. O caso, multibilionário, já resultou em três acordos – um deles foi homologado por Gilmar.
Como sócio do IDP, o ministro se vale de uma brecha legal que permite aos juízes dar aulas e até ter empresas, desde que não toquem, como administradores, o dia a dia do negócio. É assim que o Gilmar-empresário contribui para a boa saúde financeira do instituto do qual é sócio, enquanto o Gilmar-magistrado fala nos eventos organizados pelo instituto e julga processos das empresas que os patrocinam. Sempre que é indagado, o ministro diz que não se beneficia pessoalmente dos patrocínios ao IDP.
Mas mensagens telefônicas que vieram a público recentemente mostram que nem sempre é assim. Numa delas, de junho de 2016, Gilmar escreve a Dalide Corrêa, ex-diretora-geral do instituto e braço-direito do ministro por duas décadas, cobrando o repasse de recursos de patrocínios. “Veja se consegue começar a me pagar o resultado do patrocínio”, escreveu o ministro.
Dalide respondeu pouco depois. “Quer de uma vez ou dividido?”, indaga ela, que prossegue: “Amanhã iremos pagar 25 mil da palestra de sexta”. Gilmar se mostra agradecido: “Ótimo. Veja a forma menos problemática. Tenho contas altas agora, uma, e outra em julho”. Àquela altura, o IDP tinha acabado de realizar uma das edições do congresso anual que promove anualmente em Lisboa. A J&F, dos irmãos Batista, havia transferido para o instituto 500 mil reais. O repasse seria para o evento na capital portuguesa, mas como o dinheiro chegou depois, o crédito foi realocado em outra rubrica. Ou seja: o importante era que o dinheiro chegasse – onde seria aplicado era um problema para resolver depois, internamente.
Ao longo dos anos, além dos patrocinadores que pagam, mas não aparecem – e dos outros que pagam e aparecem –, o IDP conseguiu ganhar dinheiro com eventos organizados por órgãos públicos. Em 2016, por exemplo, a Justiça do Trabalho comemorou 75 anos. Foram organizados dois seminários, ambos com o apoio do IDP, para marcar a data. O primeiro, no Rio, foi na sede da Fundação Getúlio Vargas, onde Gilmar Mendes falou. O segundo, em Brasília, foi na sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A coordenação dos seminários ficou a cargo de ministros do tribunal, mas foi o IDP quem faturou.
Aconteceu assim: a Justiça do Trabalho organizou, sediou e promoveu os eventos, mas foi o IDP quem recebeu os patrocínios. Nas planilhas do instituto de Gilmar, foram registrados nove repasses relacionados aos dois eventos, num total de 1 milhão de reais. A Crusoé, o TST informou que fez um acordo com o IDP segundo o qual o tribunal arcaria exclusivamente com a coordenação acadêmica e o instituto se encarregaria de “custos financeiros”.
Crusoé procurou os patrocinadores que figuram nas planilhas do IDP. Nem todos responderam. Banco do Brasil, Caixa, Febraban, Correios, CNI e Eletrobrás negaram que os pagamentos tenham sido motivados pelo interesse de se aproximar de Gilmar Mendes. O IDP, por sua vez, negou em nota que tenha havido qualquer intenção de ocultar os repasses. “O apoio de parceiros ao IDP sempre foi realizado de forma transparente e pública”, diz o texto. Embora tenha sido apresentado a situações pontuais – aquelas em que empresas contribuíram, mas não apareceram entre os patrocinadores, como a da Souza Cruz e a da J&F em 2016 –, o instituto sustenta que há “editais, banners, fotos e publicações com referência aos nomes dos apoiadores, o que pode ser identificado em uma busca rápida no site do IDP e em outros domínios na internet”. Trata-se de uma esperteza.
Em pelo menos cinco casos cujos pagamentos estão listados nas planilhas internas do IDP, os patrocínios não foram expostos.
Eram, sim, patrocínios ocultos. O ministro Gilmar Mendes também foi procurado, por telefone, em seu gabinete e por meio de seus assessores, mas não respondeu aos contatos de Crusoé.
No Crusoé
Em tempo: Dalide Barbosa Alves Corrêa, citada na matéria como ex-diretora do IDP e "braço-direito" de Gilmar, é velha conhecida dos leitores do Conversa Afiada.
Em setembro último, o C Af recuperou uma série de posts de abril de 2009, no qual se pode lembrar que a D. Dalide "soprava" perguntas ao delegado Itagiba, presidente da CPI que sabatinou o delegado Protógenes, da Operação Satiagraha.
A Satiagraha, recentemente ressuscitada pela Fel-lha, investigava o ínclito banqueiro Daniel Dantas.
Ainda antes disso, em 2003, o deputado Babá (então no PT, hoje vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro) requereu esclarecimentos sobre uma reportagem do Jornal do Brasil que acusa a D. Dalide, então superintendente jurídica da Caixa Econômica, de solicitar propina para aprovar o pagamento de uma ação contra a própria Caixa.
De volta a setembro de 2017, o Conversa Afiada citou reportagem do detrito sólido de maré baixa que, novamente, menciona a D. Dalide - dessa vez, no caso JBS.
No CAf
Fonte;http://www.contextolivre.com.br/2018/05/os-patrocinios-ocultos-do-ministro.html
https://crusoe.com.br/edicoes/2/os-patrocinios-ocultos-do-ministro/
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