Alan Goldstein (centro) e outros pesquisadores durante voo para estudar o El Niño
Mil e seiscentos quilômetros ao sul do Havaí, o ar a 13.700 metros acima do Pacífico equatorial era uma mistura cintilante de grossas nuvens de tempestade e neblina gelada de cirros, um produto das águas aquecidas demais abaixo.
13/02/2016
Alan Goldstein (centro) e outros pesquisadores durante voo para estudar o El Niño EM 2016.
Mil e seiscentos quilômetros ao sul do Havaí, o ar a 13.700 metros acima do Pacífico equatorial era uma mistura cintilante de grossas nuvens de tempestade e neblina gelada de cirros, um produto das águas aquecidas demais abaixo.
Em um jato Gulfstream mais acostumado a caçar furacões no Atlântico, pesquisadores da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês) cruzavam este trecho desolado do oceano tropical em que os ventos alísios do norte e do sul se encontram. É uma área que marujos paralisados pela falta de ventos chamam há muito tempo de calmaria equatorial, só que neste ano a tranquilidade passou longe dali.
Este é o cerne do El Niño mais forte em uma geração, que está bombeando umidade e energia para a atmosfera e, como resultado, perturbando o clima em escala mundial.
Com 11 pessoas a bordo, incluindo um jornalista, o avião decolou em uma longa viagem rumo ao oeste, afastando-se do ar mais perturbado ao sul. A cada dez minutos, em uma contagem regressiva de Mike Holmes, um dos dois diretores de voo, técnicos na traseira soltavam um pacote de instrumentos através de um tubo estreito no chão. Ligados a um pequeno paraquedas, os aparelhos caíam e iam transmitindo a velocidade do vento e sua direção, umidade e outros dados atmosféricos para o avião durante a queda.
Analisadas por cientistas e inseridas em modelos climatológicos, as informações podem melhorar a previsão do efeito do El Niño sobre o clima, ajudando os pesquisadores a compreenderem melhor o que acontece aqui, no ponto inicial.
"Uma das questões mais importantes a ser respondida é saber a qualidade com que nossos modelos atuais de clima representam a resposta da atmosfera tropical a um El Niño. É o primeiro elo na cadeia", disse Randall Dole, cientista do Laboratório de Pesquisa do Sistema Terra, do Noaa, e um dos principais pesquisadores do projeto.
Um El Niño costuma se formar em um intervalo de dois a sete anos, quando os ventos da superfície que geralmente sopram de leste para oeste perdem a força. Em resultado, a água quente que costuma se avolumar ao longo do Equador no Pacífico ocidental passa a girar no sentido leste. Por causa dessa mudança, o trecho de água -- que este El Niño deixou nove graus Celsius mais quente do que o normal no Pacífico central e oriental -- funciona como uma máquina térmica, afetando as correntes de jato que sopram em altitudes elevadas.
Isso, por sua vez, pode provocar mais chuva no inverno na porção inferior dos EUA e clima seco no sul da África, entre os muitos efeitos possíveis do El Niño.
Auxiliados por um grande poder de processamento e dados melhores, os cientistas aprimoraram a capacidade de seus modelos preverem quando esse fenômeno vai acontecer e que força terá. Em junho, o consenso entre os climatologistas usando modelos criados pela Noaa, bem como por outras instituições acadêmicas e agências norte-americanas e de outros países, era que um El Niño forte iria se formar no final do ano, como de fato aconteceu.
Entretanto, os cientistas não tiveram tanto êxito em prever seu efeito sobre o clima. Neste ano, por exemplo, a maioria dos modelos tinha menos certeza sobre seu significado para a sedenta Califórnia. Até agora, boa parte do Estado recebeu mais chuva do que o esperado, mas não está claro se o sul californiano, em especial, será inundado com tanta intensidade como durante o último El Niño forte, em 1997-98.
Anthony Barnston, meteorologista chefe do Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Clima e Sociedade da Universidade Columbia, que estudou a exatidão do modelo do El Niño, explicou que os modelos dinâmicos, que simulam a física do mundo real, têm se saído melhor ultimamente ao prever se o fenômeno vai ocorrer do que modelos estatísticos, baseados em comparações de dados históricos.
Segundo Barnston, com um modelo dinâmico, os dados que representam as condições atuais são inseridos no modelo, que funciona a partir disso. "Você liga e avança no tempo." Isto pode ser feito dezenas de vezes -- ou com a frequência que o dinheiro permitir -- ajustando os dados a cada vez e nivelando os resultados.
Com qualquer modelo, dados bons são cruciais. Os modelos do El Niño foram ajudados pelo desenvolvimento dos satélites e redes de boias que podem medir a temperatura da superfície do mar e outras características oceânicas.
Quando se trata de prever os efeitos do El Niño no clima, no entanto, é mais difícil de se obter dados bons. É nesse aspecto que o projeto de pesquisa da Noaa pretende auxiliar, estudando um processo fundamental na conexão entre o fenômeno e o clima: a convecção tropical profunda.
As nuvens que o jato da Noaa cruzou eram fruto desse processo, no qual o ar acima da água quente do El Niño capta o calor e a umidade e os leva a milhares de metros de altitude. Quando o ar chega a altas atitudes -- ao redor do nível de voo do Gulfstream -- a umidade se condensa em gotículas, liberando energia na forma de calor e criando ventos que sopram no sentido externo.
Os cientistas sabem que a energia liberada pode levar a uma espécie de reverberação na corrente de jato, uma onda que, enquanto se propaga, pode afetar o clima em diversas regiões ao redor do mundo. E sabem que os ventos gerados podem dar força à corrente de jato. Esse é um grande motivo para a Califórnia e boa parte do sul dos Estados Unidos normalmente ficarem mais úmidos durante um El Niño; os ventos da convecção fortalecem a corrente de jato a ponto de ela chegar à Califórnia e ir além.
Porém, para estudar a convecção durante um El Niño, os dados devem ser coletados na atmosfera bem como na superfície do mar. É uma tarefa hercúlea porque a convecção ocorre em uma das áreas mais remotas do planeta. Em resultado, explicou Dole, existem poucos dados reais sobre convecção durante o fenômeno e a maioria dos modelos, incluindo o da Noaa, tiveram de ser alimentados com palpites sobre os detalhes do processo.
"Temos uma forte suspeita de que nossos modelos têm grandes erros na reprodução de algumas dessas reações. A única maneira de saber é fazendo observações."
Quando no ano passado os meteorologistas começaram a prever um El Niño forte, os cientistas da Noaa perceberam a oportunidade e começaram a fazer planos para um programa de pesquisa de ação rápida.
Dole estimou que normalmente levaria de dois a três anos para criar o programa que eles montaram em cerca de seis meses.
De certa forma, foram ajudados pelo desenvolvimento do El Niño, que reduziu a atividade dos furacões no Atlântico no final do ano passado. O jato realizou menos missões e as horas de voo disponíveis, bem como os aparelhos de medição extras, foram transferidas para o projeto.
Além do jato -- também equipado com um radar Doppler para estudar o vento --, o programa está lançando outras sondas, de um navio e de um pequeno atol nas proximidades do Equador. Uma grande aeronave teleguiada da Nasa, a agência espacial norte-americana, chamado Global Hawk, também foi convocada para estudar o Pacífico entre o Havaí e o continente.
O voo do jato era o quarto dos pesquisadores, das quase duas dúzias planejadas para o próximo mês. O dia começou no Aeroporto Internacional de Honolulu cinco horas antes da decolagem às 11h30 quando Ryan Spackman, o outro diretor da pesquisa, e colegas da Noaa discutiram o clima com Dole e outros cientistas do escritório da entidade em Boulder, Colorado.
O plano original era voar ao sul de Honolulu e ao redor de uma área de convecção -- uma "célula" em termos meteorológicos -- próxima do Equador. Todavia, quando os três pilotos do avião chegaram para receber as instruções várias horas mais tarde, o plano mudara por questões de segurança. Havia o risco de que não haveria como regressar da ponta sul da área de convecção sem atravessar uma tempestade, e o Gulfstream, ao contrário de outros aviões para caçar furacões da Noaa, não pode fazer isso.
No final, cientistas e aviadores concordaram em percorrer um trecho longo da extremidade norte da área de convecção.
O plano necessitava de 30 aparelhos de medição e a equipe lançou alguns durante o longo voo para a zona de convecção e, depois, o ritmo se acentuou enquanto o avião rumava no sentido oeste.
Um breve ruído sibilante era a única indicação de que a sonda fora lançada. Os tubos cilíndricos, pesando cerca de meio quilo, são simplesmente sugados para fora do avião pela diferença de pressão entre a cabine e o ar do lado de fora, mergulhando rapidamente quando atingem a água 15 minutos depois.
Os dados começam a ser transmitidos quase imediatamente após o aparelho sair do avião, e são exibidos em tempo real em algumas das várias telas de computador na cabine, incluindo a monitorada por Richard Henning, o outro diretor de voo. Henning, que como Holmes é meteorologista, se certifica de que os dados estão limpos -- graças à prática, ele sabe dizer rapidamente se um sensor apresentou defeito ou se a sonda gerou dados inúteis -- antes de encaminhá-los de várias formas, incluindo um formato condensado que pode ser inserido de imediato em modelos do mundo inteiro.
Em outros pontos da cabine, os tripulantes verificavam se todos os equipamentos eletrônicos do avião funcionavam direito e monitoravam o radar Doppler. Holmes, Spackman e o comandante do avião, Ron Moyers, falavam regularmente sobre mudanças de curso para se aproximar da convecção e captar dados melhores.
Após duas horas e meia voando para oeste, estava na hora de virar para nordeste e voltar para Honolulu, ainda a três horas de distância. O ritmo de trabalho reduziu novamente, restando poucos aparelhos de medição a serem lançados.
Henning e Spackman aproveitaram o resto da viagem para analisar alguns dados das sondas. Eles viram ventos saindo da parte superior da célula convectiva e correndo no sentido noroeste. Segundo Spackman, a rotação da Terra faria o vento virar para leste, onde, indubitavelmente, se juntaria à corrente de jato do Pacífico, que afeta a Costa Oeste dos EUA.
Spackman parecia satisfeito apesar da mudança de planos. "Fizemos boa ciência hoje", declarou.
FONTE;http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/the-new-york-times/2016/02/13/como-e-o-voo-que-leva-cientistas-para-estudar-o-el-nino-sobre-o-pacifico.htm
Geen opmerkings nie:
Plaas 'n opmerking