UM BRASILEIRO NA GUERRA DA UCRÂNIA NOVEMBRO 2014



ENTREVISTA – Foi estudar Medicina na Rússia e agora luta por liberdade


Por Jairo Lenzi
Esta postagem é um tanto quanto especial. Pessoalmente, considero o ativismo, seja ele qual for, um ato notável de sacrifício e doação em prol de uma causa sem exigir o benefício próprio. Conheceremos hoje a história do brasileiro Rafael, que foi estudar Medicina na cidade russa de Kursk e após renunciar ao curso, luta no conflito armado na região do Donbass, hoje politicamente pertencente à Ucrânia, mas declarada como República da Novarrússia por militantes pró-Rússia.

05/11/2014



 Ele ficou mundialmente conhecido este ano por imagens que registraram protestos durante a Copa do Mundo 2014.


Rafael já foi policial militar em São Paulo, foi oficial também PM no estado do Pará, serviu na Legião Estrangeira (corpo do exército francês composto por voluntários estrangeiros), estudante de Medicina na Rússia, já trabalhou com serviços gerais em fazendas pela Europa e teve uma breve experiência nas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Seu extenso currículo aventureiro inclui participações notáveis em protestos no Brasil. Com todas essas experiências, Rafael (vulgo Cachaça) tem apenas 29 anos e um pouco depois dos protestos durante a copa, ele embarcou para a Rússia novamente.

Rafael como oficial da PM do Pará e como soldado da PM de São Paulo na última imagem.
Encontrei o contato dele em meio à pesquisas sobre os conflitos atuais do Leste Europeu. Ele estava em patrulha com os seus companheiros de farda, e logo ao retornar para a base, prontamente me atendeu. Por questões de segurança, sua localização não pode ser mencionada com exatidão. O Rafael deu uma entrevista há alguns dias para o jornal Gazeta Russa. Fiz contato com o jornal, já sem esperanças de manter contato com ele, a fim de reproduzir a entrevista aqui, mas já que ele atenciosamente nos atendeu, a entrevista pôde ser elaborada com o conteúdo mais direcionado ao público alvo do blog. Não por menos, a entrevista inaugura a categoria ADVENTURES. Espero que gostem!
ENTREVISTA MEDVENTURES #1
Repórter: Jairo Lenzi
Entrevistado: Rafael Lusvarghi
JAIRO – Olá Rafael! Primeiramente agradeço a tua disponibilidade em atender o chamado do blog para conceder esta entrevista. Em poucas palavras, quem é Rafael Lusvarghi?
RAFAEL
 – Sou um paulista, nascido em Jundiaí, tenho 29 anos, e atualmente sou voluntário no exército da Novorossiya.
JAIRO – Como era sua vida antes de se juntar ao exército da Novorôssia? Quais são as suas convicções político-ideológicas?
RAFAEL
 – Sou uma pessoa prática, minha ideologia se resume muito mais a fazer o que julgo necessário para que eu e as pessoas que estão perto de mim vivam bem. Me preocupo pouco com sistemas políticos (dai algumas pessoas pensarem que sou confuso ao gostar de elementos de esquerda e direita) e mais com atitudes que melhorem nossa vida, sem contudo haver comprometimento incondicional ou total de minha parte. Religião ao meu ver é algo importante por moldar valores pessoais e de comunidade, por isso deixo claro que antes de tudo sou Asatruar. Mas quanto a sistemas políticos, eu diria que a pouco tempo atrás ainda era stalinista, agora porem diria que sou Duginista, que siga a 4ªTP de Alexandr Dugin. Minha vida antes de me juntar ao exército da Novorossiya era “normal”. Estava no Brasil, tinha 2 empregos e um bico. Participei de algumas manifestações em São Paulo, que atrapalhou um pouco isso, mas nada de mais.

Rafael e seu companheiro de farda exibindo bandeiras ao lado de um blindado.
JAIRO – Para quem desconhece quais os lados que estão em conflito, poderias explicar para os nossos leitores o que está realmente acontecendo no leste ucraniano?
RAFAEL
 – Eu acho necessário antes um resumo da historia da região. A Rússia recebeu, literalmente, essa região pelo séc. 17 do Kanato Mongol da Crimeia, esse tornou a região chamado Novarussia ou Novorossiya. Não é um país novo como o nome indica, é quase tão antiga quanto o Brasil. Na época, a Novorossiya ia da região do Don (Donbassa), até o Mar Cáspio.
Durante a revolução de 1917 foi criada a republica socialista soviética do Donbass, mas por fins administrativos Lenin decidiu deixar tudo com a republica da Ucrânia (afinal, apesar dos nomes, o pais era a URSS, e as fronteiras internas eram sem importância). Mais tarde Krushev também passou a Crimeia pra Ucrânia. Quando caiu a URSS, praticamente do dia pra noite, milhões de russos ficaram fora da Rússia, viraram estrangeiros em suas próprias casas. Nunca houve grandes problemas na Ucrânia (diferente da situação nos Paises Bálticos, que é péssima desde 1990). Isso até o ano passado, quando a Ucrânia proibiu a difusão da língua e cultura russa na região. Piorou quando a União Europeia convidou a Ucrânia pra deixar a CEI e ser parte da UE. A Ucrânia quase ao mesmo tempo tirou a autonomia das regiões, e isso tudo gerou o Maidan, ou Euromaidan, revoltas e manifestações violentas no país e o governo ucraniano foi derrubado. A Europa ajudou um grupo nazifascista a tomar o poder, e em resposta a tudo isso, o povo aqui pegou em armas. O engraçado é que enquanto o governo ucraniano derruba estatuas de Lenin, lutam pra defender fronteiras desenhadas pelo mesmo, enquanto nós no leste do rio Dnieper, lutamos pelas fronteiras originais, e pela independência da região e estabelecimento do país Novorossiya, ou Novarrússia (não sei como ficaria a grafia em português). Atualmente está uma trégua mal respeitado pelos ucranianos, que realizam várias infiltrações em nosso território, especialmente na região de Donetsk e seu aeroporto.


Rafael e outros soldados da Novarrússia, que em sua maioria portam fuzis como o AK-47.
JAIRO – Você estudou Medicina por um tempo na cidade de Kursk. Quanto tempo você ficou? Quais foram os pontos positivos e os negativos desta experiência?
RAFAEL
 – É bem puxado o estudo na Rússia, de forma geral. Sinceramente, eu não vejo pontos negativos não. A faculdade é ótima, bons professores, bem organizada. A republica é do lado da facul, localizada bem no centro da cidade, tudo que precisa esta perto…
JAIRO – Sobre os estudantes que irão para a Rússia cursar Medicina, qual conselho você daria para eles?
RAFAEL
 – Venham falando pelo menos o inglês. Chegar aqui com o português, pensando que vai aprender inglês, na Rússia… é pra poucos. Nesse caso, eu recomendaria vir, fazer um ano de preparação aprendendo o idioma russo, e cursar logo em russo, que seria uma experiência com aproveitamento ainda melhor. E se preparem pra um estudo muito puxado, especialmente no nível de matérias relacionadas à química.



Rafael na faculdade e recebendo os calouros brasileiros.
JAIRO – Você tem familiares no Brasil. Como mantem contato com eles? Qual a opinião deles sobre o seu ativismo?
RAFAEL
 – Todos me apoiam e muito. Hoje em dia manter contato com as pessoas que se quer é muito fácil, internet tá ai né. Basicamente é por Facebook ou Skype.
JAIRO – A Rússia possui uma cultura riquíssima e um estilo de vida diferente do brasileiro. O que mais te chamou a atenção no país?
RAFAEL
 – A honestidade do povo russo, a determinação de lutar pelo que se acredita e a preservação dos valores familiares.
JAIRO – Quais as dicas que você pode dar para o pessoal que está escolhendo a Rússia como a sua nova casa?
RAFAEL
 – Estar preparado pra ficar longe dos familiares, saber que a Rússia é uma potencia e polo cultural tão ou mais importante que a América, e que aqui não são os russos que tem que aprender outro idioma, mas países vizinhos e visitantes que aprendem russo, logo, encontrarão poucos sinais em outros idiomas aqui ou pessoas que falem outro idioma. Saber o cirílico seria uma boa. Respeitar e entender que só falam russo aqui e os russos não tem necessidade de saber o inglês também é bom.  A dieta é bem diferente da brasileira, mas tão rica e saborosa quanto. E saber que o verão aqui é bem quente, e o inverno bem frio, algumas pessoas não fazem muita atenção a isso.
JAIRO – Voltando ao conflito, as tropas da Novorôssia funcionam com voluntários de várias partes do mundo. Qual o percurso o voluntário deve seguir, desde manifestado o interesse até unir-se às fileiras da tropa? O que você tem a dizer aos interessados em participarem desta luta?
RAFAEL
 – O voluntario brasileiro tem um percurso bem difícil em frente. Tem que preparar passaporte e tíquete pra Moscou, o que já é bem caro. Trazer uns 200 dólares para o trajeto de Moscou até onde estamos, onde será assessorado pelo nosso pessoal. Não recebermos retorno financeiro aqui e sacrificarmos nosso convívio familiar, social, nossos trabalhos, com o risco de sacrificarmos nossa própria vida. Mas a honra e a gloria de ajudar um povo na sua luta legitima por liberdade e a luta contra o imperialismo atlantista americano, a luta pelas bases politicas de grandes homens como Mozgovoi, Strelkov, Motorola e Dugin, enfim, a luta por um mundo melhor, ficará para história e é algo impar e incomparavelmente gratificante.

Rafael trabalhando como lenhador em uma fazenda na Noruega.
JAIRO – O que você espera da sua vida daqui pra frente? O que espera doconflito a partir de agora? Você tem medo de morrer?
RAFAEL
 – Não tenho medo da morte. Sou um asatruar, e como tal acredito que morrendo em combate irei ao Valhalla. Apesar de estarmos em difíceis conversações politica, uma trégua respeitada por nós “separatistas, rebeldes e terroristas”, mas não pelos Ucranianos, tenho certeza da vitória. Depois da guerra, se eu sobreviver, não tenho plano decidido. Poderia ser um fazendeiro por aqui, voltar ao Brasil, ainda não pensei muito nisso, pois estou me dedicando totalmente ao momento agora. O futuro, eu resolvo no futuro.
JAIRO – Para finalizar, qual é a mensagem que você deixa para os leitores do blog, que em sua maioria são jovens sonhadores, aspirantes pela Medicina e aventureiros do globo terrestre?
RAFAEL
 – Medicina é um curso difícil, mas extremamente recompensador, seja em termos financeiros, ou gratificação de ajudar outro ser humano. Aos aventureiros, por vezes é difícil, cansativo, mas não devemos desistir nunca, se tivermos certeza do que queremos. Enfim, faça o que acha correto, sem esperar retorno, sem se importar com criticas não construtivas, e Viva a Rússia, Viva o Brasil e Viva a Novorossiya!!
Boa sorte Rafael!

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