Gertrude Bell, A Espiã Que Criou o Iraque



27/06/2014


Gertrude Bell: a mulher que construiu o Iraque


No rol das grandes mulheres que a humanidade conheceu, está uma figura ao mesmo tempo fascinante e controversa. Gertrude Margaret Lowthian Bell foi uma diplomata, arqueóloga, escritora e espiã britânica, que entrou para a história por seus incríveis feitos em uma das regiões mais complexas do planeta: o Oriente Médio.

Nasceu em 14 de julho de 1868, em uma abastada família de industrialistas de County Durham, Inglaterra, e teve acesso a uma ótima educação e caprichos, como escalar os Alpes Suíços ainda moça. Curiosamente, integrou o Movimento Anti-Sufrágio, por acreditar que enquanto as mulheres não saíssem das cozinhas, não poderiam votar conscientemente.

Sua personalidade era instigadora e apaixonante, nem de longe foi uma mulher comum. Historiadores atribuem o seu comportamento destemido à precoce perda de sua mãe, quando tinha apenas três anos, e à sua consequente forte ligação com o pai.

Optou por estudar História Moderna na Universidade de Oxford, uma das poucas disciplinas permitidas às mulheres da época. Na mesma faculdade e no mesmo curso, estudou outra importante personalidade da diplomacia inglesa, T.E. Lawrence, cuja vida cruzou com a de Gertrude em muitos momentos.

Depois de formada, decidiu visitar seu tio, Sir Frank Lascelles, então embaixador em Teerã. Desta viagem, ela pôde dar vazão à sua paixão pela região do Fértil Crescente com a publicação em 1907, do livro “Syria: The Desert and the Sown”, ainda hoje referência entre estudiosos.

Como todas as moças de sua época, sonhava em se casar, mas não teve tanta sorte no amor quanto nos estudos. Correspondeu-se com um homem comprometido durante algum tempo, mas o Major Charles Doughty-Wylie foi morto durante a batalha de Gallipoli. Desiludida, dedicou-se inteiramente ao trabalho até o final de sua vida, sem nunca ter se envolvido com outro homem.

Em seguida à perda de seu primeiro amor, tentou um cargo no governo. Em 1915, a Inteligência Britânica a convoca para auxiliar os soldados a atravessar o deserto durante a guerra contra o Império Otamano. A predileção pela jovem, por indicação do arqueólogo David Hogarth, não era infundada.

Nos anos anteriores, ela havia viajado por lugares como Jerusalém, Damasco, Beirut, Antioquia, entre outros, transcrevendo suas características em vívidos relatos, fotografando e participando de importantes expedições arqueológicas, com a de Binbirkilise (“Cento e Uma Igrejas”, em tradução livre), na Síria, onde descobriu ruínas do período greco-romano.


HOMENS QUE TRABALHARAM PARA GERTRUDE EM BINBIRKILISE

Fez amizade com chefes beduínos, por quem era reverenciada como a própria encarnação da rainha. A simpatia que estes normalmente hostis árabes à dedicavam, era fruto da forma simples como Gertrude tratava a todos os homens. Por ser mulher, teve acesso às esposas desses líderes tribais, o que a proporcionou uma visão única da cultura árabe.

Após locomover os soldados britânicos com segurança até Bagdá, e da conquista da mesma pelo Império Britânico, é elevada ao posto de Secretária Oriental e incumbida da tarefa de ajudar o Major Percy Cox a governar a recém capturada Pérsia.

Gertrude, Cox e Lawrence formavam o trio de Orientalistas ingleses e foram convocados por Winston Churchill para a conferência no Cairo, em 1921, chamada Arab Bureau, em que redefiniram os rumos da região, optando por tornar a Pérsia um estado independente.


CONFERÊNCIA DO CAIRO EM 1921. SOB A FACE DA ESFINGE: WINSTON CHURCHILL (DE ÓCULOS ESCUROS), À SUA DIREITA GERTRUDE BELL E T.E. LAWRENCE

Na verdade, manter uma colônia nesta região custava muito caro aos cofres ingleses, e por conselho de Gertrude, foi fundado o Estado do Iraque e concedido o trono ao ex-rei da Síria, Faisal I, deposto anos antes pelos franceses.

Faisal foi indicado por Gertrude, que acreditava que sua linhagem hashemita iria acalmar os ânimos das minorias da região e proporcionar unidade ao novo país. Ele foi corado em 13 de agosto de 1921 e todo o processo não teria sido possível sem sua ajuda.


PICNIC COM O REI FAISAL EM 1922

Ela trabalhou a diplomacia interna, dando conselhos ao rei sobre como governar as dezenas de seitas e tribos beduínas. Em troca, Faisal deu como presente à Gertrude o Museu Arqueológico de Bagdá, inicialmente preenchido com seu acervo pessoal de relíquias da Mesopotâmia.

Com a fundação da Escola de Arqueologia do Iraque, ela pôde orientar pesquisas à sua vontade, e trabalhou fazendo o que amava até o fim da vida. O estresse causado pela prodigiosa publicação de livros, relatórios políticos e de inteligência prejudicou sua saúde frágil.

Eram frequentes os ataques de bronquite, causados por anos de tabagismo ao lado das cortes inglesa e árabe. Biógrafos citam um quadro crônico de depressão, ao que associam a perda precoce de sua mãe e também à desilusão amorosa.

Em 12 de julho de 1926, foi encontrada morta em sua casa em Bagdá. Ela teria se suicidado com uma alta dose de tranquilizantes, mas esta hipótese é incerta, uma vez que pediu que sua empregada a acordasse. Seu funeral foi um grande evento e contou com a presença de ilustres personalidades da política, incluindo o rei Faisal.

Foi a única mulher a integrar o alto escalão da Inteligência Britânica, a participar de exaustivas viagens pelo deserto e a contribuir para a formação do Estado iraquiano. Seus livros sobre o Oriente Médio, ainda hoje são leitura fundamental para estudiosos do assunto. Apesar de suas façanhas, sua memória é injustamente, pouco lembrada.

O museu construído por Faisal como agradecimento à Gertrude foi bombardeado durante a invasão americana ao Iraque em 2003. Em uma cena do filme “O Paciente Inglês”, soldados recorrem a um mapa, desenhado por um tal de “Bell”, para se locomoverem entre montanhas, quando um dos personagens retruca: “espero que ele esteja certo”.

Um erro talvez perdoável para uma tão breve citação, mas não no caso de fazer jus à história desta fascinante mulher, que além de todos os seus feitos, conseguiu superar o preconceito de sua época e fazê-los, mesmo sendo simplesmente uma mulher.




Gertrude Bell, uma das responsáveis pela criação do Iraque moderno. Crédito Reprodução

Um jornal iraquiano informava, em uma edição de 1926, a morte da diplomata britânica Gertrude Bell, aos 58 anos. “Ela estava trabalhando até tarde no domingo, e ela é conhecida por ser trabalhadora, e pela manhã foi encontrada morta”. Ao que o jornal encobertava o aparente suicídio de Bell, morta por uma overdose de pílulas para dormir.

Você talvez não conheça essa história. Mas Bell (1868-1926) foi, de acordo com uma reportagem recente do “New York Times” (clique aqui para ler), uma das figuras mais influentes do Oriente Médio no início do século 20, tendo tido mais importância ali do que o lendário Lawrence das Arábias. A essa diplomata e espiã é creditado o feito de ter estabilizado e formado a sociedade iraquiana após o esfacelamento do Império Otomano (1299-1923), criando a dinastia de reis que brevemente governaria o novo país.

Quem não estiver familiarizado com a história terá a chance de se aproximar dessa curiosa figura. Ela será o assunto de um filme com atuação de Nicole Kidman e terá um documentário (clique aqui) sobre sua vida. Ambos os lançamentos farão parte de um movimento mais amplo de resgate do legado de Bell, com uma conferência acadêmica organizada em Londres no ano passado e uma série de biografias disponíveis para a leitura.

Mas talvez o súbito interesse por essa aventureira venha em péssimo momento. Os esforços europeus em traçar as linhas do Estado iraquiano, no que Bell teve papel fundamental, parecem estar sendo esfarelados — neste mês, guerreiros do Estado Islâmico no Iraque e no Levante tomaram partes do Iraque e da Síria, ameaçando a história dessas fronteiras. O violento confronto sectário entre sunitas e xiitas, exacerbado pela invasão americana de 2003, parece gritar que o Acordo Sykes-Picot –que em 1916 estabeleceu a divisão do Oriente Médio– ainda cobra seu preço.

O texto do “New York Times” discute esse legado…


…que sempre foi frágil e está sob o risco de ser desfeito entre a retomada da violência sectária que já viu militantes sunitas efetivamente apagarem as fronteiras que [Bell] desenhou entre o Iraque e a Síria e aumentou a possibilidade de o Iraque ser dividido entre territórios sunitas, xiitas e curdos. Vistas através da experiência do passado recente tumultuoso do Iraque, as decisões tomadas por miss Bell [...] oferecerem lições de cautela àqueles em busca de trazer estabilidade ou procurar vantagens na região.

A reportagem traz, em suas linhas, opiniões contrárias. Se há quem diga que Bell errou ao fomentar o poder de uma elite sunita, marginalizando xiitas, há também quem aponte um sistema de privilégios exercido ali por séculos pelo Império Otomano. Bell, para seus defensores, lutou pela auto-determinação dos povos árabes. Ainda hoje ela é chamada carinhosamente, no Iraque, de “miss Bell”. Um dos entrevistados do jornal americano diz que ela é a “primeira-dama, a rainha do Iraque”.

Bell morreu em Bagdá, e “seu sonho de um Iraque unido, pacífico e próspero não foi cumprido”. Em uma carta, anos antes, ela registrara: “Você pode contar com uma coisa. Nunca mais vou me dedicar a criar reis. É um esforço muito grande”.
fonte;uol
https://dropsmundo.wordpress.com/2013/09/18/gertrude-bell-a-mulher-que-construiu-o-iraque/

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