EUA ESPIONANGEM MUNDIAL 2013 Espiões da era digital
Espiões da era digital
Documento secreto revela como os Estados
Unidos espionaram ao menos oito países – entre eles o Brasil – para
aprovar sanções contra o Irã
>>Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
(English - versão em inglês) Evitar que o Irã faça uma bomba atômica tem sido um dos grandes
desafios da diplomacia atual. O programa nuclear iraniano foi criado nos
anos 1950, cresceu depois da revolução islâmica de 1979 e, nos últimos
anos, se tornou uma iniciativa clandestina, promovida à revelia dos
organismos internacionais de inspeção. 27/07/2013
Ninguém hoje sabe quando – ou se –
o Irã fará a bomba. Sabe-se, contudo, que a posição iraniana tem se
revelado volúvel, imprevisível e, para a maioria dos países, pouco
confiável. Em fevereiro de 2010, o então presidente iraniano, Mahmoud
Ahmadinejad, quebrou um acordo verbal e anunciou que enriqueceria urânio
em seu território, ao contrário do que estipulava a Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA), organismo da Organização das
Nações Unidas (ONU) que zela pelo uso pacífico do aparato nuclear. Os
Estados Unidos pressionaram por uma nova rodada de sanções
internacionais – seria a quarta – e decidiram ir ao Conselho de
Segurança da ONU. Por iniciativa do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, o Brasil, numa atitude que misturava ousadia e ingenuidade,
apresentou-se como mediador do conflito. Nunca antes o Brasil se
colocara, numa querela internacional, entre uma superpotência e um de
seus maiores inimigos. Mas nosso presidente era Lula – e ele acreditava
que faria diferença.
A sugestão brasileira era que Ahmadinejad se comprometesse a enriquecer
urânio fora de suas fronteiras. Mais exatamente na Turquia, país que,
como o Brasil, ocupava um assento rotativo no Conselho de Segurança da
ONU. Tal proposta fora aventada outras vezes – e nunca antes na história
do Irã fora levada a sério. A situação era tensa, como nunca antes na
história recente do Conselho de Segurança. Ele estava dividido. Brasil e
Turquia trabalhavam por uma solução negociada e eram contra as sanções.
Rússia e China, membros permanentes do Conselho, com poder de veto,
emitiam sinais contraditórios. Havia dúvidas também sobre como votariam
Bósnia, Gabão, Nigéria, Líbano e Uganda, integrantes rotativos que pouco
externavam suas opiniões. Para evitar o risco de uma derrota no
Conselho (são necessários nove votos em 15 para aprovar sanções), os
americanos recorreram a uma solução tão antiga quanto o Egito dos
faraós: a velha espionagem. Desde que veio à tona a prática de
monitoramento sistemático de comunicações pelo governo americano, pela
primeira vez é possível narrar um caso concreto. Um documento
classificado como “TOP SECRET” (ultrassecreto, o mais alto grau de
sigilo), a que ÉPOCA teve acesso exclusivo, revela o que aconteceu e
deixa claro o papel decisivo desempenhado no caso pela então embaixadora
americana na ONU, Susan Rice. “Velha” talvez não seja o adjetivo mais adequado para uma atividade que
se transformou radicalmente na era digital. Em lugar do cenário da
Guerra Fria, um mundo bipartido entre Estados Unidos e União Soviética,
vivemos a era da diplomacia multilateral. Cada país tem seus interesses,
visões e desejos. Em vez dos agentes secretos infiltrados nas nações
inimigas, como James Bond – o espião criado por Ian Fleming com suas
pistolas munidas de silenciador e licença para matar – ou George Smiley –
seu congênere que habitava o universo cheio de bruma, traições,
deserções e mensagens secretas criado por John Le Carré –, hoje esse
mundo envolve programadores e matemáticos capazes de decifrar códigos
intrincados diante de suas telas de computador. No lugar das escutas
clandestinas instaladas cirurgicamente, hoje é possível fazer varreduras
amplas nas redes de telecomunicações e na internet. No lugar dos
folclóricos espiões da CIA, a histórica Agência de Inteligência dos
Estados Unidos, surge das sombras a NSA, a Agência Nacional de
Segurança, especializada na guerra de informação na era digital.
Em busca de protagonismo no cenário internacional, Lula foi a Teerã em
17 de maio de 2010 – de lá saiu exultante. Trazia na mala um acordo
assinado por Brasil, Irã e Turquia, em que Ahmadinejad se comprometia a
enriquecer urânio fora de suas fronteiras, dentro das determinações da
AIEA. No dia seguinte, a secretária de Estado dos Estados Unidos,
Hillary Clinton, afirmou que os cinco integrantes do Conselho de
Segurança da ONU – além dos Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e
China –haviam decidido levar as sanções a votação. O acordo assinado
por Ahmadinejad não era considerado confiável. A diplomacia brasileira
estranhou, pois recebera sinal verde do governo de Barack Obama para
prosseguir com as negociações. Ao longo do mês de maio, Lula gastou
sapato e saliva defendendo as boas intenções de Ahmadinejad. Em vão. No
dia 9 de junho de 2010, Susan Rice estava exultante. Por 12 votos a
favor, dois contra (Brasil e Turquia) e uma abstenção (Líbano), os
Estados Unidos aprovaram as sanções. Algo mudara radicalmente em relação
ao cenário nebuloso de meses antes. Quando Susan Rice entrou no
plenário para a votação, sua delegação já tinha certeza da vitória – e
venceu. O documento obtido por ÉPOCA revela como os EUA espionaram oito
integrantes do Conselho de Segurança, entre os quais ao menos um
permanente (França) e três não permanentes (Brasil, Japão e México),
durante as negociações. Todos esses países são considerados “aliados”.
Pela ação da NSA, os Estados Unidos descobriram como votariam. Isso lhes
deu uma posição de vantagem nas discussões com os demais
países-membros. O documento, intitulado “Sucesso Silencioso”, celebra o
sucesso da empreitada. A previsão era que fosse aberto ao público
somente em 2035. Documentos desse tipo são proibidos para estrangeiros
(carregam o selo “NOFORN”, ou “no foreigners”).
Procurado por ÉPOCA, o governo dos Estados Unidos, por intermédio de
sua embaixada em Brasília, informou que não comenta nenhum tipo de
atividade secreta e que, portanto, não se pronunciaria sobre o assunto. O
porta-voz substituto do secretário-geral da ONU, Eduardo del Buey,
afirmou que “todos os países-membros da ONU são obrigados por lei a
respeitar a privacidade de comunicações diplomáticas e espera-se que o
façam”. Em resposta a ÉPOCA, a embaixada da França enviou declarações
dadas em julho pelo presidente François Hollande. Ele disse que “não
podemos aceitar este tipo de comportamento entre parceiros e aliados” e
pediu que os EUA “parem imediatamente”. “Não podemos ter negociações,
transações em qualquer área, a não ser que haja essas garantias”,
afirmou. “Falo pela França, mas isso vale por toda a União Europeia e,
eu diria, por todos os parceiros dos EUA. Sabemos bem que há sistemas
que devem ser controlados, notadamente pela luta contra o terrorismo.
Mas não penso que seja dentro de nossas embaixadas ou da União Europeia
que exista esse risco.” ÉPOCA contatou as embaixadas de Japão e México.
Nenhuma das duas respondeu até o fechamento desta edição. O Itamaraty
também não quis se pronunciar.
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