Christophe
Grauwin
16 de Junho de 2004
Desta vez, Donald
Rumsfeld perdeu o seu sorrisinho. Ouvido a 7 de Maio pelo Senado
norte-americano, o secretário para a Defesa da administração Bush teve
de reconhecer a sua "responsabilidade" nas humilhações e
torturas infligidas aos detidos na prisão de Abou Ghraib.
Mas o chefe dos falcões que reina no Pentágono não se demitiu. Não hesitando em desculpar-se com o seu estado-maior, o inflexível "Rummie" escudou-se nas suas convicções. Não é para admirar, já que este diplomado por Princeton, que ciranda por Washington há 40 anos, é um dos pilares do campo ultraconservador. Ele é a encarnação, até à caricatura, desta doutrina: moralismo belicoso em política e ultraliberalismo na economia. Com os seus derivativos: a começar pela confusão entre a gestão dos assuntos do Estado e o negócio privado.
27/03/2012
Mas o chefe dos falcões que reina no Pentágono não se demitiu. Não hesitando em desculpar-se com o seu estado-maior, o inflexível "Rummie" escudou-se nas suas convicções. Não é para admirar, já que este diplomado por Princeton, que ciranda por Washington há 40 anos, é um dos pilares do campo ultraconservador. Ele é a encarnação, até à caricatura, desta doutrina: moralismo belicoso em política e ultraliberalismo na economia. Com os seus derivativos: a começar pela confusão entre a gestão dos assuntos do Estado e o negócio privado.
27/03/2012
Desde os seus
começos na esteira do presidente Nixon, no fim dos anos de 1960, Rumsfeld
prossegue uma dupla carreira: o homem político esconde um homem de
negócios. É o segredo de "Don" que os meios de comunicação
americanos, ocupados em incensar o cabo-de-guerra que tomou o comando
após os atentados de 11 de Setembro, evocam apenas por meias palavras. Um
estranho tabu, visto que um exame minucioso à declaração de patrimônio
entregue pelo secretário para a Defesa quando da sua tomada de posse em
2000 (um calhamaço de 50 páginas!) permite constatar que este
multimilionário é pura e simplesmente o chefe de fila de uma rede que
navega, há 40 anos, entre os conselhos de administração da "corporate
America" e os gabinetes governamentais. Os arquivos da SEC (o
polícia da Bolsa americana) e o estudo dos documentos desclassificados da
administração mostram, igualmente, que Rumsfeld e os seus são peritos
no manejo das "revolving doors", essas portas giratórias que
permitem efetuar frutuosas idas e voltas entre o privado e o público.
Ao obter
modificações às leis ou influenciando nas decisões da administração
em nome de métodos e comportamentos próprios do mundo dos negócios,
Rumsfeld e os republicanos de extrema direita o que fazem muitas vezes é
satisfazer o seu apetite financeiro. Da limpeza das fardas à formação
dos polícias iraquianos, da alimentação dos GI à recolha de
informações, raras são as funções militares, com exceções da guerra
propriamente dita, que não foram entregues a empresas subcontratadas. E
raras são também as empresas que não contam no seu conselho de
administração com algumas eminentes figuras ultraconservadoras. O
último exemplo conhecido: segundo um inquérito interno conduzido pelo
exército norte-americano, o Pentágono chegou ao ponto de contratar uma
empresa privada - Caci International - para os interrogatórios dos presos
de Abou Ghraib. Entre os administradores da Caci encontra-se o general
Larry Welch, antigo comandante da US Air Force e velho conhecido de Donald
Rumsfeld. Em Março de 2003, tinha-o designado para fazer a avaliação de
um plano de armamento futurista, dotado de um orçamento de 15 bilhões de
dólares e de que a Caci International é hoje um dos principais
beneficiários. O fato de o general Welch, auditor
"independente" de um programa governamental, ser também o
administrador de uma companhia que lucra com este programa não parece
chocar o Sr. Rumsfeld. O que sabemos menos é que estas ligações
perigosas pontuaram toda a sua carreira.
1962-1977: OS
COMEÇOS DE UM "NIXON BOY"
Donald Rumsfeld,
conhecido por "Rummie", nascido em Chicago em 1932 e diplomado
pela prestigiosa universidade de Princeton, começa em 1960 como consultor
do banco de investimentos AG Becker. Dotado e ambicioso, lança-se na
política em 1962 quando se apresenta às eleições legislativas pelo
13º distrito de Illinois, um bairro abastado dos arredores de Chicago. A
sua equipa de campanha é uma espécie de Who's Who da economia local.
Encontramos aí, nomeadamente, Edgar Jannotta, um dos associados do banco
de negócios William Blair, que acompanhará "Rummie" em todas
as suas incursões empresariais; Dan Searle, herdeiro da firma
farmacêutica Searle ou, ainda, Jeb Stuart Magruder, antigo comerciante de
pasta de papel e que será, mais tarde, um dos especialistas em relações
públicas de Richard Nixon e um dos principais acusados no caso Watergate.
Donald Rumsfeld
ganha as eleições, torna-se deputado aos 29 anos e continua a sua
ascensão política. Richard Nixon, vindo como ele da média burguesia
ligada aos negócios, nomeia-o em 1969 chefe do OEO (Office of Economic
Opportunity), uma agência de luta contra a pobreza, legada pelo anterior
governo democrata. O seu papel aqui, a acreditar no testemunho de um
antigo dirigente do OEO, teria sido o de expurgar a agência federal
(encerrada por Nixon em 1973) dos "esquerdistas" ou vistos como
tal. Seja como for, ele passa, nesse momento, a ser a armação de uma
rede que não deixará de se estender.
Os dois adjuntos de
Rumsfeld no OEO têm como nome Dick Cheney, o atual vice-presidente dos
Estados Unidos, e Frank Carlucci, hoje o patrão do grupo financeiro
Carlyle, um dos principais beneficiários do aumento atual dos créditos
militares. Em 1970, Donald Rumsfeld deixa a agência anti-pobreza para se
tornar conselheiro especial do presidente Nixon e, em seguida, depois do
Watergate, secretário para a Defesa do governo de Gerald Ford. A vitória
de Jimmy Carter nas eleições presidenciais de 1976 leva-o de volta à
vida dos negócios.
1977-1985: UMA
FORTUNA COM O FALSO AÇÚCAR
Em Junho de 1977, os
padrinhos da sua primeira campanha eleitoral, Dan Searle e Edgar Jannotta,
oferecem a Donald Rumsfeld a presidência do grupo Searle. O fabricante
farmacêutico encontra-se, nessa altura, em maus lençóis. Há dez anos
que a Food and Drug Administration (FDA), que regulamenta o mercado dos
alimentos e dos medicamentos, recusa aprovar uma molécula, o aspartame
(também se diz 'aspártamo'), que a Searle quer vender como substituto do
açúcar. A FDA chega a pedir a abertura de um processo penal depois de
ter descoberto numerosos erros nos testes de toxicidade apresentados pela
Searle.
Mas a chegada de
Rummie coincide com uma série de acasos felizes para a companhia.
Primeiro, Samuel Skinner, o procurador encarregado de dar andamento ao
inquérito penal, demite-se das suas funções e entra, em Julho de 1977,
para o gabinete de advogados da Searle. O inquérito é abandonado.
Depois, em 1981, Ronald Reagan, recentemente eleito presidente dos Estados
Unidos, pôs à frente da FDA um quase desconhecido, Arthur Hull Hayes,
antigo investigador junto do Pentágono. Donald Rumsfeld negou sempre ter
interferido nesta nomeação. Um elemento relatado pela agência United
Press International poderia levar a pensar o contrário. Segundo uma
promotora comercial da Searle, Donald Rumsfeld teria declarado à
direção de vendas, em Janeiro de 1981, que se valeria das suas
relações e trataria de fazer aprovar o aspartame antes do fim do ano...
Que tenha sido ou
não formulada, a promessa, em todo o caso, foi cumprida. Em Julho de
1981, Arthur Hull Hayes autoriza a entrada no mercado do aspartame,
passando por cima da comissão científica mandatada pela FDA, que
considerara que o produto não deveria ser comercializado, dados os casos
de tumor cerebral aparecidos em ratos, no decurso dos testes levados a
cabo pela Searle. Mas isso pouco importa e, em Julho de 1983, Arthur Hull
Hayes alarga a autorização às bebidas e às sodas... depois demite-se e
consegue entrar para o gabinete de relações públicas da Searle!
As vendas do
aspartame, gabado pelas suas virtudes anticalóricas, disparam. Em 1985, a
Monsanto compra a Searle por 2,7 mil milhões de dólares. O papel de
intermediário pertenceu ao banco de negócios William Blair, que Edgar
Jannotta dirige desde então. Donald Rumsfeld, por seu lado, mete ao bolso
uma mais-valia de cerca de 5 milhões de dólares e vai para o William
Blair com o posto de conselheiro.
Em vinte anos, a FDA
registrou muitos milhares de queixas que atribuem ao aspartame diversos
problemas de saúde (enxaquecas, falhas de memória, perturbações da
visão...). E, na Califórnia, três processos acabam de ser acionados por
associações de consumidores contra vários gigantes agroalimentares. Por
sua parte, a comunidade científica está dividida, com um campo a advogar
a sua inocuidade e um outro a considerá-lo na categoria dos
neurotóxicos.
O futuro dirá se as
suspeitas relativamente ao aspartame são fundadas. De qualquer modo, isto
não impediu os seus promotores iniciais de continuar a desenvolver os
seus negócios: Samuel Skinner, o procurador federal que, oportunamente,
tinha entrado para o gabinete de advogados da Searle, tornou-se o diretor
de gabinete de George Bush sênior. E é hoje, entre outras coisas,
administrador da Express Scripts, uma sociedade de aconselhamento
farmacêutico que obteve recentemente do governo Bush (júnior) acesso a
um lucrativo mercado de corretagem de medicamentos. Arthur Hull Hayes,
esse, passou a figurar entre os 100 maiores milionários da biotecnologia.
É administrador de várias sociedades farmacêuticas, destacando-se todas
elas por uma política agressiva de privatização do patrimônio humano:
a Myriad Genetics fez escândalo ao registrar a patente de dois genes
humanos e a Napo Biotherapeutics (onde se encontra também Richard Perle,
um conselheiro próximo de Donald Rumsfeld) obteve da FDA o direito de
vender uma molécula elaborada em laboratórios estatais.
1983:
CAIXEIRO-VIAJANTE EM BAGDAD
Ainda como
administrador da Searle, Donald Rumsfeld efetua uma "missão"
diplomática por conta de George Shultz, secretário de Estado do governo
de Ronald Reagan. Em Dezembro de 1983, ele é o enviado especial dos
Estados Unidos a Bagdad, onde se encontra com Sadam Hussein. Interrogado
pela CNN, em Setembro de 2002, sobre a razão desta visita, Rumsfeld
respondeu que se tratava, entre outras coisas, de desaconselhar a
utilização de armas químicas na guerra contra o Irã. No entanto, o
relatório oficial do seu encontro com o ditador não fazia nenhuma
menção a tal advertência. Trata-se antes de um projeto de oleoduto que
Donald Rumsfeld defende junto do ditador. Este oleoduto é, na época, um
projeto da companhia Bechtel, o gigante americano das obras públicas, de
que George Shultz, o secretário de Estado a quem Rumsfeld deve a sua
viagem a Bagdad, era o administrador até à sua entrada para a
administração Reagan. Tornar-se-á, aliás, em 1989, um dos seus
principais dirigentes. Daí a pensar que Donald Rumsfeld tenha
representado os interesses da Bechtel junto de Sadam Hussein não vai
senão um passo. Seja como for, na altura, ele não via este cliente de
farda como um terrorista. A sua cumplicidade com George Shultz, depois de
se ter consolidado em diversos negócios, mantém-se ainda hoje. Depois de
se ter tornado secretário para a defesa, em 2001, Donald Rumsfeld fê-lo
entrar para a comissão de conselheiros do Pentágono (Defense Policy
Board) embora as regras excluam a participação de pessoas que apresentam
um possível conflito de interesses. Ora, aos 84 anos, George Shultz
continua a ser administrador da Bechtel, um dos principais beneficiários
das ajudas para a reconstrução do Iraque. Sem passar pelo processo
habitual de lançamento a concurso, esta empresa obteve 1,8 bilhões de
dólares de contratos, o equivalente a 15% do seu volume de negócios em
2002.
1990-1993: OS
DÓLARES DA ERA DIGITAL
Em Janeiro de 1989,
George Bush, pai, entra na Casa Branca. Mas absteve-se de chamar Rumsfeld,
que se posicionou sempre como seu rival. Não importa... Donald vai
continuar a sua vida de homem de negócios. Em Outubro de 1990, passa a
ser administrador geral da General Instrument, fabricante de cabos de
telecomunicações. Esta nomeação deve-a ele a Theodore J. Forstmann, um
financeiro nova-iorquino, fiel patrocinador das campanhas eleitorais da
família Bush, que acabara de comprar a empresa. A General Instrument (GI)
atravessa então momentos difíceis. A empresa investiu largamente nas
tecnologias de televisão digital. Ora a FCC (Federal Communication
Commission), a autoridade americana para a regulação das
telecomunicações, não considerou, num concurso que visava definir o
padrão da televisão do futuro, senão candidatos que tivessem
desenvolvido o formato analógico. O mesmo é dizer que a GI se encontrava
em risco de ser excluída do mercado em benefício dos seus concorrentes,
nomeadamente os grupos japoneses. Que vem fazer nesta embrulhada um Donald
Rumsfeld sem nenhuma experiência na alta tecnologia? O seguimento da
história esclarece o seu papel.
Um mês depois da
chegada de "Don" à direção da GI, as três companhias
norte-americanas em competição perante a FCC convertem-se subitamente à
tecnologia digital, o que permite à GI, mediante uma aliança com um dos
candidatos, voltar a participar no jogo. Depois, a comissão de seleção
da FCC, para o seio da qual Donald Rumsfeld é nomeado, a despeito de um
evidente conflito de interesses, elimina o consórcio japonês, com a
alegação de que o analógico é menos eficiente que o digital. Esta
mesma comissão recomendará seguidamente aos restantes candidatos que
formem uma "grande aliança" com vista a desenvolver um padrão
digital comum. A General Instrument encontra-se então em posição de
força. Em 1993, Ted Forstmann introduz a firma na Bolsa, encaixando cinco
vezes mais a sua entrada inicial, e Donald Rumsfeld retira-se com uma
mais-valia estimada em 7 milhões de dólares. Em Março de 2000, numa
entrevista, um antigo alto dirigente da GI, Frank Drendel, lança uma luz
crua sobre estas manobras: "A General Instrument era a única a
propor o sistema digital, mas nós tínhamos conosco Don Rumsfeld que
gozava de relações em Washington, na administração".
Dez anos mais tarde,
este sistema é um fiasco. A revista Business Week classificou mesmo como
"o mais grosseiro erro político da comunicação do século
XX". Um erro que Donald Rumsfeld atribui à FCC... Em Junho de 2001,
durante uma conferência de imprensa, onde ele alardeava a sua carreira de
empresário, explicava: "Eu estava na General Instrument quando a
firma desenvolveu a primeira televisão digital de alta definição. A FCC
chegou, apoderou-se do assunto e bloqueou-o". Trata-se aqui de uma
deturpação muito característica do discurso ultraconservador: o que é,
como tudo leva a crer, um desvio de procedimento para fins privados passa
a ser uma tirania burocrática que abafa a liberdade de iniciativa. Como
pormenor curioso, assinalemos que a comissão da FCC a que a GI deve a sua
salvação era presidida, no momento, por Richard E. Wiley, um advogado de
negócios, guindado a político, como Rumsfeld, por Richard Nixon e que se
encontra hoje à frente de um dos principais gabinetes de advogados
especializados, entre outras coisas, no aconselhamento às empresas que
respondam às ofertas do Pentágono. Um verdadeiro maná, com a política
de compra e de subcontratação dirigida por Donald Rumsfeld.
1993-1999: A BORDO
DO GULFSTREAM
Em Março de 1990,
Ted Forstmann tinha comprado uma outra empresa em dificuldades, a
Gulfstream, fabricante de aviões a jato comerciais. Cedo fez subir a
bordo da Gulfstream algumas proeminentes figuras do partido republicano:
George Shultz em 1991, Donald Rumsfeld em 1993, Colin Powell em 1996
(adversário político dos ultraconservadores, este não hesita na altura
a juntar-se às suas caçadas financeiras) e, finalmente, em 1997, Henry
Kissinger, pilar dos governos de Nixon e de Ford, entram no conselho de
administração. Pela sua participação em algumas reuniões por ano,
recebem vários milhares de ações. E, em Junho de 1999, quando Ted
Forstmann revende a Gulfstream à General Dynamics, o fabricante de armas,
eles encaixam uma mais-valia de cerca de 3 milhões de dólares cada um. O
advogado de negócios encarregado dos interesses da General Dynamics, no
momento da transação, William J. Haynes, é hoje um colaborador de
Donald Rumsfeld. E não dos menores: enquanto chefe do departamento
jurídico do Pentágono, foi ele que organizou o vazio legislativo,
propício a todas as derrapagens em que se encontram as prisões militares
de Guantanamo (Cuba), de Bagram (Afeganistão) ou Abou Ghraib (Iraque).
Frente a uma comissão do Senado, William J. Haynes, em Dezembro de 2001,
reconhecia a sua inexperiência em matéria de direito penal. Mas em
Outubro de 2002, perante um congresso de magistrados de ultradireita, ele
assumia, em nome do seu chefe, a criação de zonas francas prisionais:
"O meu patrão, Donald Rumsfeld, tem uma perspectiva semelhante e uma
determinação igual em não deixar que os dogmas de hoje se atravessem no
caminho de importantes objetivos da segurança nacional". Também
aqui, trata-se de uma deturpação típica dos discursos
ultraconservadores: a Constituição americana e a Convenção de Genebra
tornaram-se dogmas, fetichismos burocráticos, entraves mesquinhos à
ação do homem responsável e realmente livre.
1998-2001: AS
CONSEQÜÊNCIAS DA LUTA ANTITERRORISTA
Em Janeiro de 1997,
Donald Rumsfeld torna-se o administrador geral da Gilead, uma sociedade
criada dez anos antes na perspectiva de produzir medicamentos contra
doenças infecciosas. O nome de Gilead não é talvez inocente. Num livro
de sucesso, publicado em 1985, os Estados Unidos viam-se apelidados com o
nome de Gilead, depois de uma ditadura militar, apoiada por uma
população disposta a trocar os seus direitos pela segurança, ter tomado
o poder. Mas voltemos à empresa. Rumsfeld conhece-a bem. Desde Julho de
1988, ele está instalado no seu conselho de administração, onde figuram
vários dos seus habituais associados (George Shultz entrou em 1996).
Nesta época, a Gilead procura saída para o cidofovir, uma molécula
antiviral cujos primeiros testes não foram propriamente encorajadores:
cancros e graves lesões renais apareceram nos ratos após a ingestão de
algumas doses. O certo é que, em Junho de 1996, a FDA, mesmo assim, deu a
sua aprovação ao cidofovir, mas limitou a autorização a um tipo bem
preciso da infecção da retina e acrescentou-lhe um aviso sobre a
toxicidade do produto. Não era coisa para sustentar uma cotação na
Bolsa, tanto mais que, em Agosto de 1998, a firma teve de avançar com uma
carta aos médicos americanos, explicando-lhes que, dados os numerosos
casos de insuficiência renal, alguns dos quais mortais, sobrevindos nos
pacientes tratados com cidofovir, era recomendável aplicar estritamente a
posologia.
A boa notícia virá
de um investigador do Pentágono, John Huggins, proveniente do mesmo
estabelecimento que Arthur Hull Hayes, o homem que legalizou o aspartame.
Ele declara que o cidofovir é muito eficaz contra o vírus da varíola. A
partir de então, o Pentágono integra a molécula da Gilead nas suas
pesquisas sobre o bioterrorismo. Em Março de 2002, quando Donald Rumsfeld
passou a secretário para a Defesa, John Huggins e Karl Hostetler, um
universitário, anunciam que aperfeiçoarão uma nova versão do
cidofovir, mais prática, que poderia ser ministrada à população em
caso de ataque terrorista com o vírus da varíola. Karl Hostetler é,
aliás, o administrador geral de uma empresa farmacêutica que a Gilead
compra em Dezembro de 2002 por 460 milhões de dólares. Ei-lo rico. E
eis, também, assegurado o futuro comercial do cidofovir, pois que,
doravante, está incluído no plano Bioshield Project, dotado com 6 mil
milhões de dólares por Bush em Fevereiro de 2003 e destinado a
desenvolver medicamentos e vacinas contra eventuais ataques bioquímicos.
Contudo, um membro
da equipe Bush, Donald Henderson, antigo diretor da Organização Mundial
da Saúde (responsável, nos anos de 1970, pelo programa de vacinação
contra a varíola), tinha levantado em Março de 2002, na revista
científica Nature , uma questão interessante: porquê este interesse em
desenvolver o cidofovir, quando é visivelmente tóxico e nós dispomos,
por outro lado, de um método comprovado, que é a vacinação? O doutor
Henderson deixará bruscamente as suas funções, dois meses após a
publicação das suas iconoclastas interrogações. Donald Rumsfeld é,
então, o todo-poderoso secretário para a Defesa. No seu gabinete do
Pentágono, prepara-se a argumentação sobre as pretensas armas de
destruição maciça na posse de Sadam Hussein, que desembocará na guerra
do Iraque. Rumsfeld já tem a sua palavra de ordem. Será shock and awe .
Vinte anos antes, era sweet and low para lançar o aspartame.
Falso açúcar, que
faz dores de cabeça, um oleoduto para o ditador, uma televisão que não
funciona, um antivariólico que destrói os rins... É a história de toda
uma carreira que, a coberto da ideologia, está marcada pela negociata.
Retirado do
site www.primeiralinha.org
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